Título: LUZ AMARELA NO SETOR DE AÇO
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Fonte: O Globo, 23/02/2005, Economia, p. 21

Oreajuste de 71,5% no preço do minério de ferro vendido pela Vale do Rio Doce à Nippon Steel Corporation (NSC), anunciado ontem, acendeu a luz amarela no governo, que vem acompanhando a queda-de-braço entre a mineradora, siderúrgicas e seus clientes, como os setores automotivo, de máquinas e eletroeletrônico. Nos últimos dias, a área econômica foi alertada por representantes de montadoras e siderúrgicas que seus investimentos poderiam ser comprometidos com a alta do minério de ferro.

O reajuste de ontem é mais um capítulo de uma guerra entre os segmentos da cadeia produtiva do aço. Todos eles usam os reajustes do minério de ferro (matéria-prima do aço) e outros componentes de seus custos para justificar novas altas ¿ é o caso das montadoras e das siderúrgicas. Estas elevaram os preços em 148% nos últimos dois anos. O outro fator alegado, mais comum no caso do minério e do aço, que são commodities internacionais, é a demanda maior externa.

Temor é retardar a queda dos juros

Esse quadro preocupa, afirmam técnicos do governo, por dois motivos: pode haver um efeito dominó, com alta da inflação e um retardamento na retomada da queda de juros. O preço do minério de ferro não tem impacto direto nos índices de preços ao consumidor ¿ como o IPCA, a referência do sistema de metas. Mas, diz o economista Elson Teles, da Fides Asset Management, representa 0,2% do Índice de Preços por Atacado (IPA), o indicador com maior peso nos Índices Gerais de Preços (IGPs), da FGV. Ele calcula que se o reajuste de 71,5% for integralmente incorporado ao IPA, a taxa subiria 0,14 ponto percentual em 2005. Nos IGPs, estima, o efeito não chegaria a 0,1 ponto percentual.

¿ A questão central é o impacto indireto, que é impossível de ser estimado porque varia de empresa para empresa. O peso na inflação ao consumidor depende do repasse das siderúrgicas e dos fabricantes de carros e eletrodomésticos, da demanda e das negociações da Vale com seus clientes europeus ¿ salienta Teles.

Eulina Nunes, gerente do IBGE, diz que é impossível estimar quanto do reajuste do minério chegará ao IPCA. Mas confirma que o minério e seu principal derivado, o aço, estão presentes em muitas fases da cadeia produtiva. Em 2004, quando os preços dos produtos siderúrgicos subiram fortemente no exterior, os reajustes foram regulares no comércio brasileiro. Automóveis novos e usados, autopeças e eletrodomésticos subiram acima da inflação oficial.

¿ Os reajustes relacionados aos aumentos no preço do aço vêm ocorrendo desde o fim de 2003. Com um aumento de 71,5% no preço do minério, o lógico é que este efeito permaneça, embora não se conheça nem o prazo nem a intensidade ¿ diz.

A pressão sobre o governo é forte. As montadoras não revelam seus investimentos por estarem esperando uma definição. Só de 1994 a 2002 as indústrias automobilísticas e de autopeças investiram US$23 bilhões, mas não lançaram qualquer modelo este ano. A Vale prevê investimentos de US$1,7 bilhão em minerais ferrosos e as usinas siderúrgicas chegaram a anunciar que, até 2008, investiriam US$20,4 bilhões. Num país que precisa de investimentos para fazer frente ao aquecimento da demanda e à necessidade de eliminar gargalos de infra-estrutura, o risco de frustração preocupa o governo.

Nos últimos dias, havia a expectativa de a Vale reajustar em até 90%. O alerta foi feito por entidades aos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento. Elas lembraram, ainda, que as siderúrgicas vêm fazendo altas expressivas de preços.

¿ Mais uma elevação de custos poderia tornar menos competitivos os produtos brasileiros aqui e no exterior ¿ diz o presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base, Paulo Godoy.

Governo poderia tomar medidas

Cada um faz sua defesa. As siderúrgicas dizem que seguem as mineradoras. A Vale rebate dizendo que, no mercado doméstico, além de o impacto de seu reajuste ser muito pequeno, 85% de sua produção são exportados. Ou seja, ela não é fornecedora para o aço nacional. Além disso, destaca, alta do preço da commodity vai trazer US$4 bilhões a mais à pauta brasileira de exportações.

¿ Nos últimos 12 meses, houve aumento 18,62% no minério. No mercado interno, o impacto foi de 10%, por causa da valorização do real ¿ afirma José Carlos Martins, diretor de Novos Negócios e da Área de Energia e de Participações da Vale. ¿ A demanda está extremamente elevada.

O Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS) esclareceu que é cedo para avaliar o reajuste, inclusive porque nem todas as usinas compram minério da Vale. Algumas usam sucata, como a Gerdau, e outras têm suas próprias minas, caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Já analistas de mercado afirmam que as altas do aço e do minério não se devem a aumento de custos, e sim à demanda externa. Uma fonte da área econômica diz que a preocupação do governo é que saiam perdendo o fabricante de bens finais e o consumidor. O governo examina a situação. Havendo risco de desabastecimento, a saída seria criar um imposto de exportação. Já o encarecimento de produtos com elevada composição de aço, como autopeças, poderia ser combatido com a redução das tarifas de importação.