Título: REFORMAR O CÔMODO ERRADO
Autor:
Fonte: O Globo, 23/02/2005, Economia, p. 22
Houve, nesta legislatura, 225 casos de mudanças de partido, os quais envolveram 152 deputados. Alguns mudaram várias vezes. Alceste Almeida, de Roraima, é o campeão: do PL foi para o PPS, do PPS para o PMDB, do PMDB para o PTB, do PTB para o PMDB e do PMDB para sem partido. Tudo isso em dois anos. Volubilidade, seu nome é Alceste.
Se você imagina que a reforma política é necessária para acabar com pequenos partidos, reduzir o número de siglas, impedir o troca-troca, então esqueça a proposta que está tramitando no Congresso. Lá nada disso estará sendo impedido.
O cientista político Jairo Nicolau, do Iuperj, diz que a proibição de troca de partido foi abandonada durante a tramitação da proposta pela Câmara. Conta também que a proposta é bem generosa com os pequenos partidos:
¿ Existem hoje 27 partidos com registro definitivo e está estabilizado nesse número há algum tempo. Esses partidos continuarão existindo.
A grande mudança que a reforma introduz não atende a nenhum dos sonhos do eleitor, mas agrada às elites partidárias: o sistema de eleição para deputados federais, estaduais e vereadores passará a ser pelo sistema de lista fechada. Hoje, um partido tem o seu número de candidatos e quem tem o maior número de votos está eleito, dentro do quociente de cada partido. Pelo novo sistema, os partidos terão uma lista com hierarquia e o eleitor vota no partido. Não há voto no candidato individualmente. Quem encabeça a lista tem muito mais chance de ganhar a eleição, explica Jairo Nicolau. A questão é: como será feita esta lista?
¿ Na eleição de 2006, a lista será formada de acordo com o desempenho eleitoral em 2002. Quem teve mais votos no partido encabeçará a lista. Mas, depois, a proposta é de que os partidos tenham liberdade para definir seus critérios. O risco é de que isso dê mais poder às oligarquias partidárias ¿ alerta o professor.
Há, na proposta, uma punição para quem trocou de partido na atual legislatura, porque ele irá sempre para o fim da lista do partido na reeleição.
¿ O relator (deputado Ronaldo Caiado) acha que, indiretamente, estará sendo desestimulada a troca partidária, mas acho que pode ocorrer o contrário: imagine alguém que saiba que, num grande partido, ficará em 15º na lista. Se, num partido menor, ele tiver a chance de estar entre os três primeiros, pode querer mudar de partido.
Mas, se o voto é em lista, fica mais fácil provar que o mandato é do partido e não do candidato. Jairo Nicolau acha que, juridicamente, fica mesmo mais fácil provar que o mandato é do partido; por outro lado, lembra que não há qualquer artigo da reforma que trate disso.
¿ Acho que há um descolamento entre as preocupações do eleitor e o que está sendo discutido no Congresso. O projeto trata da forma como o candidato será eleito, e o que o país está preocupado é com o que acontece depois da eleição. A reforma se preocupa com a relação entre o partido e o eleitor, e o eleitor está preocupado com a forma como se dá a representação no Parlamento.