Título: ETA CAFEZINHO CARO...
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Fonte: O Globo, 24/02/2005, Economia, p. 23

Oconsumo de café no país cresceu 9% no ano passado, índice recorde bem acima da média mundial de 1,5%. Em 2004, o consumidor brasileiro tomou 60 litros em média (ou 4 quilos), o maior nível desde 1965. Mas este ano o sabor do cafezinho poderá não ser tão agradável. Com a oferta mundial reduzida, o produto apresenta o gosto amargo do preço 16% maior no mercado atacadista do Rio. A cotação da saca de 60 quilos saltou de R$275 para R$320 desde janeiro e a tendência é de alta até abril, quando começa nova safra.

Como reflexo, o consumidor já está pagando até R$9,80 pelo quilo do café nos supermercados ¿ 17% mais que em dezembro. A opção são as marcas de segunda linha, entre R$6,50 e R$8. No Bar Flora, no Centro, o Pilão já está por R$13,60. A xícara do cafezinho custa de R$0,60 a R$0,70. Mas o expresso já esquentou de R$1,40 para R$1,50 este mês na Confeitaria Ipanema.

¿ Se o preço continuar subindo deste jeito, em pouco tempo o cafezinho chegará a um real. Será um preço absurdo e o consumo vai desabar ¿ reclamou o aposentado Fernando Correa, enquanto saboreava o cafezinho na confeitaria Rio Lisboa, no Leblon.

Preço no exterior mais que dobrou

Após o Plano Real, em 1994, o produto foi vendido entre R$0,25 e R$0,30 por um bom tempo. No ano passado, o preço era R$0,50 em várias casas. Para Correa, a cotação em alta no mercado internacional pode favorecer o Brasil, mas as indústrias deveriam garantir estoques para conter os aumentos.

¿ Somos os maiores produtores mundo, mas nosso salário é dos mais baixos. Não podemos pagar preços de Paris ¿ afirmou.

A Rio Lisboa tentou subir o cafezinho para R$0,70, acompanhando os concorrentes. Mas um grupo de amigos, liderado pelo agrônomo Mário Borgonovi, de 91 anos, que se reúne à tarde na padaria, resistiu e a tabela se manteve em R$0,60. Com isto, a venda cresceu na casa.

¿ Com mais tecnologia, os custos caíram, por isso ainda há gordura na indústria. Vamos deixar o preço como está para que o brasileiro possa manter o hábito de jogar conversa fora tomando cafezinho no bar.

As indústrias comemoraram o faturamento 22% maior: passou de R$3,6 bilhões para R$4,4 bilhões, de 2003 para 2004. O próprio ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, reconheceu que o ciclo de preços ruins para a cafeicultura acabou.

¿ O que se vê é uma recuperação do setor ¿ avaliou Nathan Herszkowicz, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).

Baseado nas pesquisas, ele argumenta que o produto encareceu apenas 8%, contra a inflação de 137% em 11 anos do Real. O quadro, segundo Herszkowicz, desestimulou o produtor e muitos abandonaram o plantio.

Pelas projeções da Organização Internacional de Café (OIC), a demanda chegará a 114 milhões de sacas de 60 quilos. Já a produção ficará em 105 milhões ¿ 7,9% inferior. No Brasil, o consumo interno poderá alcançar 15,8 milhões de sacas e as exportações deverão chegar a 23 milhões de sacas (3,4 milhões menos que em 2004).

¿ Mesmo com o preço mais alto, o consumo subiu porque a indústria investiu na qualidade ¿ explicou.

Sem estardalhaço, a melhora da remuneração continua a bater à porta dos produtores e dos exportadores de café, deixando para trás a lembrança dos preços deprimidos de 2002. Em julho daquele ano, o café era negociado em US$0,50 por libra-peso em Nova York ou a US$40 a saca no mercado interno. Hoje, o preço é de US$1,20 em Nova York e de US$130 no país. Ou seja, os valores mais que dobraram desde 2002.

Dados do Centro do Comércio de Café do Rio (CCCRJ) indicam que a saca de 60 quilos é negociada a R$320 (variedade arábica de qualidade) e R$155 (conillon). Embora os torrefadores absorvam boa parte dos ganhos, frisa o presidente da Associação dos Cafeicultores do Rio de Janeiro (Ascarj), Efigênio Salles, desta vez também os produtores estão tirando mais proveito do ciclo de alta:

¿ Os preços para os produtores finalmente se recuperam. Subiram 30% desde 2004, e estão em níveis adequados para manter os cuidados exigidos pelo café.

No passado, em resposta aos preços baixos, os cafeicultores não tomaram os cuidados (como adubagem) corretos, fazendo a produção mundial cair. O desestímulo e o ciclo bianual do café (alternância de safras altas e baixas) provocaram um equilíbrio entre oferta e procura e a recuperação dos preços, explicou o diretor do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Guilherme Braga. No Brasil, a próxima safra 2005/2006 é estimada entre 31 milhões e 33 milhões, abaixo dos 40 milhões do ano anterior.

No mercado internacional, o tom é também de recuperação. Em janeiro, as exportações foram de 2.195.585 de sacas, o que gerou a receita de US$201,2 milhões, 64,4% acima do mesmo mês de 2004. Os principais destinos do café foram a Alemanha, com 463 mil sacas (15 a mais que em 2004) e os Estados Unidos, 381,4 mil sacas (48,5%). A previsão do Cecafé é de que as vendas somem US$2,4 bilhões este ano, US$400 milhões a mais que em 2004.

Safra do país deve crescer quase 13%

A produção nacional de grãos deve chegar a 134,5 milhões de toneladas em 2005, segundo o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola de janeiro, divulgado ontem pelo IBGE. O volume supera em 12,96% a safra do ano passado. Todas as regiões apresentam previsão de crescimento na produção sobre 2004, com destaque para o Sul e o Centro-Oeste, responsáveis respectivamente por 41,14% e 34,47% do total produzido.

Pragas e problemas climáticos, no entanto, podem atrapalhar a produtividade de alguns estados agrícolas importantes. No Mato Grosso, principal produtor de soja do país, o surgimento de focos da praga conhecida como ferrugem asiática ameaça a produção. Segundo o IBGE, os próximos relatórios poderão medir essa perda.

No Rio Grande do Sul, o problema é a seca. Por causa da falta de chuvas, especialmente no mês de dezembro, houve prejuízos para culturas como o milho e o feijão de primeira safra. A estiagem também prejudica o Nordeste, especialmente o pólo produtor de feijão de Irecê, na Bahia. De acordo com o IBGE, o clima foi favorável nas demais regiões produtoras .

As culturas que mais deverão crescer em 2005, segundo as estimativas do instituto, são as de soja em grão (28,30%) e feijão em grão de primeira safra (22,79%).