Título: NOVAS IMAGENS E HERÓI PARA UM ÉPICO DE GUERRA
Autor:
Fonte: O Globo, 24/02/2005, O Mundo, p. 31

Neste primeiro semestre de 2005, têm sido inúmeras as cerimônias evocativas de episódios que culminaram com o final da Segunda Guerra Mundial na Europa, a 8 de maio de 1945. Aniversários redondos ¿ no caso, de 60 anos ¿ costumam gerar revisões históricas e reflexões renovadas. Só que no caso da batalha de Iwo Jima, cujo aniversário está sendo cultuado ao longo de toda esta semana por seus poucos sobreviventes americanos e japoneses, pouco há a acrescentar. Foi, simplesmente, um dos episódios militares e humanos mais memoráveis da guerra. Um épico.

Mas ao contrário do que sugere a foto-ícone que a imortalizou, e que valeu ao fotógrafo americano Joe Rosenthal um Prêmio Pulitzer, a batalha pela estratégica ilha no Pacífico não terminou com o içamento da bandeira dos EUA no topo do Monte Suribachi. A cena ocorreu na manhã do dia 23 de fevereiro de 1945. Os combates de ferocidade ímpar duraram até o fim de março. E entre os mortos americanos estava o sargento Bill Genaust, cuja contribuição para a história de Iwo Jima só agora vem a público por inteiro.

Cinegrafista morre sem saber o que filmara

Genaust era cinegrafista, colega de Rosenthal, e seguindo a praxe da cobertura de guerra da época, vestia o uniforme de seu país em todos os sentidos ¿ junto com a câmera Bell & Howell de 16mm carregava uma pistola 45. Segundo relato publicado esta semana por Hal Buell, que chefiou o departamento de fotografia da Agência AP por mais de 20 anos, Genaust conseguiu registrar a seqüência completa do içamento ¿ são 198 fotogramas de filme Kodachchrome ASA 8 ¿ e morreu nove dias depois sem saber o que tinha captado.

A história de Genaust, publicada na revista ¿Parade¿, é notável. Ele e Rosenthal, da AP, desembarcaram na ilha acompanhando fuzileiros navais. A operação, freqüentemente comparada ao desembarque aliado na Normandia, pelo alto custo em vidas, deixou as areias negras de Iwo Jima coalhadas de cadávares. Dos 3.400 homens do 28º Regimento da Quinta Divisão, por exemplo, apenas 600 sobreviveram à primeira fase do assalto. O morticínio foi tamanho que algumas companhias tiveram de ser comandadas por sargentos.

Mas Genaust e Rosenthal conseguiram. ¿Sobreviver em Iwo Jima era como andar na chuva sem se molhar¿, contaria Rosenthal. Cinco dias mais tarde, deslocaram-se até o sopé do Monte Suribachi, pois tinham sido informados de que os marines cravariam uma bandeira americana no topo, como marco da primeira conquista na ilha. Os dois estavam a meio caminho quando cruzaram com um fotógrafo, que descia. ¿Vocês chegaram atrasados. A bandeira já foi içada¿.

Só que os marines acharam a bandeira pequena, queriam plantar algo que pudesse ser avistado por cada soldado em combate na ilha. E para sorte de Genaust e Rosenthal, quando ambos alcançaram o topo do monte, cinco soldados e um marinheiro empurravam um cano improvisado de mastro, com um pavilhão maior. Esse detalhe esclarece o debate em torno da autenticidade da foto. Ela registra a repetição espontânea do primeiro içamento, mas definitivamente não é uma encenação.

Despachada até Guam, a foto de Rosenthal foi transmitida ao mundo e entrou para a galeria de fotos de guerra históricas, ao lado da do combatente republicano espanhol, de Frank Capra, e do fuzilamento de um suspeito vietcongue, de Eddie Adams. Já o filme só seria revelado muito mais tarde, e sem crédito. Tarde demais para Genaust.

Nove dias depois, o cinegrafista estava no topo do monte 362 e se preparava para registrar o pouso de emergência de um bombardeiro americano. Mas o tempo e a luz estavam péssimos. Genaust largou a câmera, sacou sua arma e foi se juntar aos marines sob ataque. Em determinado momento acendeu sua lanterna para ver onde estava. Foi fuzilado na hora ¿ a caverna em que se encontrava estava infestada de japoneses. O esconderijo foi atacado com lança-chamas americanos, que soterraram sua entrada para sempre.

Fiéis à tradição de resgatar os corpos de seus combatentes, os fuzileiros navais conseguiram trazer de volta para os EUA quase todos os mortos de Iwo Jima. Mas não Genaust, cujo túmulo é uma caverna desconhecida.

Considerada padrão de valor e sacrifício humanos, a batalha de Iwo Jima marca o único episódio da Segunda Guerra em que as baixas entre fuzileiros navais (26 mil, entre mortos e feridos) foram superiores às de japoneses (a maioria dos 22 mil homens que defendiam a ilha).

Para os EUA, a conquista de Iwo Jima equivalia a arrombar a primeira fresta na fortaleza imperial do Japão. E para o Japão, ali estava a defesa da pátria. Os americanos chegaram com vantagem de 3 por 1 e ainda assim sofreram ali um terço de todas as baixas dos fuzileiros navais na guerra. Passados 60 anos, a foto de Rosenthal continuará sendo seu ícone maior. Mas as imagens e a identidade do sargento Genaust podem finalmente assumir o seu devido lugar. Já se encontram na Internet na página www.parade.com/current/coverstory/index.html.