Título: O assalto da base
Autor:
Fonte: O Globo, 25/02/2005, Panorama Político, p. 2

A determinação do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, de aprovar a equiparação dos subsídios dos deputados aos dos ministros do STF é o efeito mais concreto e preocupante de sua ascensão. Menos notada mas também significativa é a quebra dos ritos e liturgias que regem o funcionamento da Casa e dos partidos. Novos motins podem ocorrer na eleição dos presidentes de comissão, na semana que vem.

A insurgência do chamado baixo clero tumultuou anteontem a primeira reunião do Colégio de Líderes depois da eleição. Dos quase 20 líderes, apenas três conseguiram cadeiras para sentar-se à mesa. A grande sala de reuniões que antecede o gabinete do presidente foi tomada por mais de 50 deputados sem-título, ali presentes com o intuito de patrulhar os líderes que fossem contra o aumento e exercer pressão sobre Severino.

¿ Nunca vi coisa igual, mais parecia reunião de diretório estudantil ¿ conta o líder do PSB, Renato Casagrande.

José Múcio, líder do PTB, diz que os líderes estão sendo contestados abertamente pelos deputados em quase todos os partidos. No dele, a cada indicação de presidente de comissão, um ou dois se levantaram avisando que seriam candidatos avulsos.

¿ Tive que ser duro, ameaçando tirar da comissão todo aquele que se lançar como avulso.

A Mesa comete transgressões que passam desapercebidas. Por exemplo, aceitar as impugnações dos filiados ao PMDB pelo grupo governista sem que os ritos tenham sido cumpridos (recursos aos diretórios estadual e nacional).

A multidão de parlamentares imbuída de poder na nova situação movimenta-se com uma nova desenvoltura. Severino prometeu uma gestão de portas abertas e assim tem sido. Todos põem a mão na maçaneta de seu gabinete e entram. E ele, por ora, está orgulhoso disso. A deputada petista Maria do Carmo, ele conta, pediu que lhe marcassem uma hora com ele. Foi surpreendida com a informação de que poderia entrar. Todos entram, a sala está sempre cheia. Já se fala que ele mesmo não agüentará este ritmo.

Mas no centro da colméia está o aumento de subsídios que Severino insiste em aprovar. Ontem surgiram novos amigos dele, no médio e alto clero, com uma proposta que pode livrá-lo do mau passo. Todos assinariam o pedido de urgência para a votação da matéria mas ficariam livres para votar contra. Se for rejeitado, Severino poderá dizer que sua promessa foi a de colocar o projeto em votação. Afinal, prometeu também que o plenário seria sempre soberano. Mas até que ponto ele está disposto a isso, não se sabe.