Título: FRAUDE DE R$1 BI NO INSS
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Fonte: O Globo, 25/02/2005, O País, p. 3

Uma força-tarefa composta por representantes do Ministério Público Federal, do Ministério da Previdência Social e da Polícia Federal prendeu ontem no Rio, em Niterói e em Nilópolis, um grupo de 11 auditores fiscais da Secretaria de Receita Previdenciária (antiga Gerência do INSS) do Ministério da Previdência. Eles são acusados de terem causado só no Estado do Rio um rombo de cerca de R$1 bilhão aos cofres da Previdência, referentes a dívidas que deixaram de ser cobradas de empresas nos últimos dez anos mediante pagamento de propinas. Cerca de 140 companhias de médio e grande porte instaladas no estado, inclusive multinacionais, foram alvo dos fiscais ao longo de uma década de atuação da quadrilha.

Com base nas investigações da força-tarefa da Previdência, a 3ªVara Federal Criminal expediu, ontem de manhã, mandados de prisão temporária contra 13 fiscais, além de 15 mandados de busca e apreensão. Às 5h30m de ontem, foi deflagrada a Operação Ajuste Fiscal, conduzida por cerca de 90 policiais federais da Delegacia de Repressão a Crimes Previdenciários (Deleprev). Dos 13 fiscais, 11 foram detidos. São eles: Joaquim Acosta Diniz, Luiz Ângelo Rocha, Jane Márcia da Costa Ramalho, Arnaldo Carvalho da Costa, Paulínea Pinto de Almeida, Rogério Gama Azevedo, Francisco Cruz, José Eduardo Gomes Iuorno, Arinda Rezende de Pinho Monteiro, Geanete Assumpção José e Antônio Vinícius Monteiro. Ainda estão foragidos os auditores Francisco José dos Santos Alves e Paulo José Gonçalves Mattoso.

Auditores fraudavam dívidas de empresas

Segundo o delegado da PF Acen Vatef, os auditores conseguiam vantagens financeiras das empresas que fiscalizavam através do superfaturamento ou do subfaturamento das dívidas que os empresários possuíam junto ao INSS.

¿ Quando eles superfaturavam o débito de uma companhia com a Previdência, o empresário os procurava para tentar negociar uma redução dessa dívida. Os fiscais baixavam o montante para o seu valor real em troca de propina ¿ explicou o delegado.

No caso do subfaturamento dos débitos, os auditores encontravam irregularidades contábeis nas empresas, mas não as comunicavam ao INSS também em troca de vantagens financeiras. Todos os 11 detidos foram encontrados em suas residências. Foram apreendidos documentos, computadores e jóias nestes locais. Por possuírem curso superior, todos os presos foram levados para prisão especial, o Ponto Zero, em Benfica. Os documentos serão analisados e, se confirmadas as irregularidades, será oferecida denúncia à Justiça Federal contra os fiscais.

¿ Eles poderão ser indiciados por formação de quadrilha, crime contra a ordem tributária e excesso de exação (lançamento indevido de débitos tributários) ¿ disse o procurador da República Fábio Aragão, um dos responsáveis pelas investigações.

Os policiais federais envolvidos na Operação Ajuste Fiscal ficaram impressionados com o patrimônio dos auditores presos. Somente um dos fiscais detidos, o engenheiro Rogério Gama Azevedo, de 52 anos, avaliou a casa em que mora no bairro de Camboinhas, na região oceânica de Niterói, em R$800 mil. Azevedo estava de cuecas quando a polícia chegou à sua casa ontem de manhã. Os policiais apreenderam documentos e arquivos de computador.

Nos últimos anos o auditor comprou ainda um apartamento em Búzios, e duas casas, uma em Friburgo e outra em Ponta Negra, em Maricá, além de dois veículos, um Meriva e um Seat Córdoba. Todo o patrimônio teria sido adquirido com o salário que recebe como funcionário público, ou seja, pouco superior a R$10 mil mensais. Rogério trabalha na função desde 1977. Porém, todos os seus bens estão no nome de sua atual mulher Maria Jussiara Francisco.

¿ Somos casados em regime de total separação de bens. Se o casamento acabar e eu perder tudo, paciência, o que tiver que ser, será ¿ disse ele após ser interrogado por um dos sete policiais que compuseram a equipe que o prendeu.

O procurador da República Fábio Aragão disse que o patrimônio dos auditores é incompatível com a renda de um servidor público.

¿ Qualquer pessoa que comparar os salários dos fiscais com a lista de seus bens, verá que a origem de toda esta riqueza é ilícita ¿ afirmou o procurador.

(*) Do Extra

Outras fraudes

Um dos golpes mais famosos da história da Previdência Social foi dado pela quadrilha que reunia a ex-advogada Jorgina de Freitas, o advogado Ilson Escóssia da Veiga e o juiz Nestor do Nascimento: um rombo de R$600 milhões por meio do pagamento de falsas indenizações por acidentes de trabalho em São João de Meriti (Baixada Fluminense). As fraudes da quadrilha foram descobertas no início dos anos 90. Outras 14 pessoas foram presas. Todos foram julgados em 1992 e, em sua maioria, condenados a 14 anos de prisão por formação de quadrilha e peculato. Jorgina, condenada a 23 anos, fugiu para o exterior antes de receber a sentença. Ela foi encontrada em 1997 na Costa Rica e, no ano seguinte, extraditada para o Brasil.

Jorgina, sozinha, roubou R$112 milhões. Ela está presa na Penitenciária Talavera Bruce, em Bangu, onde criou e preside uma associação para defender os interesses de presidiárias. Em 2003, a Justiça do Rio entregou R$12,2 milhões ao INSS, resultado da venda de 522 quilos de ouro de Escóssia.

A fraude da quadrilha de Jorgina levou à criação, no Rio, em 2000, da força-tarefa do governo federal para investigar desvios na Previdência. A força-tarefa atua hoje em 15 estados e no Distrito Federal. A meta, até 2006, é ter grupos em todos o país. O Rio é o estado com maior índice de fraudes: enquanto a média nacional é de 3% dos benefícios, no Rio 11% dos 2,2 milhões de benefícios pagos, 242 mil pensões e aposentadorias, são fraudulentas.

Fiscais detidos ontem já haviam sido presos

Arnaldo Costa e Paulínea Almeida foram soltos graças a hábeas-corpus

Dois dos fiscais detidos ontem ¿ Arnaldo Carvalho da Costa e Paulínea Pinto de Almeida ¿ haviam sido presos em 7 de dezembro do ano passado, na Operação Mar Azul da PF, acusados de formação de quadrilha e corrupção passiva. Eles foram soltos por força de um hábeas-corpus concedido pelo Tribunal Regional Federal (TRF).

¿ A Operação Ajuste Fiscal é um desdobramento da Operação Mar Azul, quando foram apreendidos documentos na casa de Arnaldo que nos levaram aos outros fiscais que participavam do esquema ¿ explicou o procurador da República Fábio Aragão.

Durante as investigações da força-tarefa previdenciária, foi detectada a relação de Arnaldo com políticos da Assembléia Legislativa (Alerj). Em novembro do ano passado, o auditor teria sido cedido ao Departamento de Informática da Casa, onde exerceu o cargo de assistente de diretoria, no período entre 9 de novembro e 6 de dezembro.

A Alerj informou que Arnaldo foi devolvido ao INSS após o surgimento das primeiras informações de que o fiscal estava sendo investigado pela Polícia Federal.

Em termos de prejuízo aos cofres do INSS, a quadrilha de fiscais presa ontem só fica atrás do megafraudador argentino Cesar de la Cruz Arrieta, responsável por um rombo de US$3 bilhões (cerca de R$7,8 bilhões) em 1990. Após quatro ações penais, quatro execuções fiscais e uma CPI, Arrieta ficou preso por apenas 86 dias. O esquema de Arrieta foi denunciado pela primeira vez em 1994, quando ele foi acusado de comandar uma quadrilha especializada no parcelamento de dívidas de contribuições previdenciárias de empresas. Detido em 1995, foi solto em janeiro de 1996 por força de uma liminar. Ele se beneficiou de uma falha em seu decreto de prisão preventiva, do ano anterior. Solto, passou a agir no Rio Grande do Sul, na liquidação fraudulenta de dívidas de empresas com a Receita Federal.

Em terceiro lugar entre os fraudadores do INSS, vem a família Anastácio, acusada de desviar R$600 milhões da instituição.