Título: Diferença entre negros e brancos congelada
Autor:
Fonte: O Globo, 25/02/2005, Economia, p. 25
A distância que separa, na população ocupada, o nível de escolaridade de brancos, de um lado, e pretos e pardos, de outro, mantém-se a mesma nos últimos dez anos, segundo a ¿Síntese de Indicadores Sociais 2004¿ do IBGE. Em 1993, a população branca ocupada tinha média de 6,8 anos de estudo, contra 4,5 anos da população preta e parda, isto é, uma diferença de 2,3 anos. O IBGE detectou a mesma diferença em 2003: os brancos tinham 8,3 anos de estudo no ano retrasado, enquanto pretos e pardos tinham 6 anos.
É uma distância enorme ao longo deste tempo: pretos e pardos precisaram de dez anos para terem um nível de escolaridade próximo ao que os brancos tinham dez anos antes. E o rendimento médio de pretos e pardos continuou na faixa entre dois terços e metade do que os brancos possuíam em 1993.
Os números do capítulo sobre cor da síntese de 2004 demonstram a desigualdade educacional que continua a vigorar no Brasil. Segundo Ana Lúcia Saboia, coordenadora da publicação, o país precisa recuperar o tempo perdido que resultou na disparidade racial da educação:
¿ Para recuperar esse tempo, haja políticas públicas, haja ação afirmativa ou sistema de cotas ¿ diz ela.
Existem mais analfabetos pretos e analfabetos pardos do que analfabetos brancos na faixa populacional das pessoas com 15 ou mais anos de idade. O percentual em todo o Brasil é de 11,6%; entre brancos, é de 7,1%, contra 16,9% dos pretos e 16,8% dos pardos.
Na outra ponta, 24,5% dos brancos do país entre 18 e 19 anos de idade estão em faculdades ou universidades; já o percentual de pretos e pardos da mesma faixa etária é de apenas 6%. Elevando-se a faixa etária, a distância racial se torna ainda mais visível nas universidades brasileiras. São 61,4% dos brancos de 20 a 24 anos de idade contra 21,6% de pretos e pardos na mesma faixa. A maior parcela de pretos e pardos desta idade ¿ 42,9% ¿ tem apenas ensino médio.
A região metropolitana de Salvador é a que tem o maior índice de freqüência escolar de brancos com 20 a 24 anos: 46,9%.
¿- Isto mostra como, numa região que tem de 70% a 80% de população de cor preta, opera o racismo estrutural - diz José Luiz Petrucelli, pesquisador do IBGE.
Para ele, os dados são um retrato do racismo no Brasil, talvez mais forte que a noção do preconceito de classe.
¿ Não se trata do racismo de pessoas sobre pessoas, mas da estrutura da sociedade, que resiste a integrar os pretos e pardos. Apesar de o sistema de cotas ser emergencial e provisório, grandes instituições como a Universidade de São Paulo resistem a adotá-lo ¿ diz o pesquisador.
A desigualdade característica da sociedade brasileira também atinge as mulheres: em média, a população feminina tem um rendimento 30% inferior ao dos homens.
O ensino, no entanto, pode servir como ponte para diminuir desigualdades. É o caso da família Carvalho, formada por negros, e que tem a educação como prioridade. Carlos, de 40 anos, e a mulher, Doralice, de 47, estudaram no Distrito Federal, onde completaram o ensino médio. Assim que conquistou o nível médio, tornou-se policial militar, função que exerce há 19 anos e rende um salário de R$2.100 por mês. Doralice, que é dona de casa, tem um salão de beleza nos fundos da residência. A atividade garante R$300 extras nos proventos mensais da família.
Carlos de Carvalho acredita que a qualidade do ensino no Distrito Federal e a boa formação dos seus professores colaboraram para que terminasse os estudos.
¿ Antigamente era até melhor que hoje, porque era mais rígido ¿ opina o policial.
Para o vice-secretário de Igualdade Racial, João Carlos Nogueira, a situação do Distrito Federal é melhor em relação ao resto do país para os negros principalmente porque as escolas públicas têm professores mais bem formados, com salários mais altos. Outra explicação seria a de que os migrantes que chegaram a Brasília procuravam empregos que exigiam escolaridade. Daí a necessidade de se ter bom nível de ensino.
¿ A migração da população negra para Brasília ocorreu pelos empregos oferecidos, principalmente no setor público. E sem ensino fundamental, pelo menos, fica mais difícil arranjar trabalho ¿ diz Nogueira.
COLABOROU Luciana Rodrigues
Presidente do IBGE recebe mordaça
Numa manifestação ontem de manhã, cerca de 20 funcionários do IBGE ¿ que estavam com panos pretos tapando a boca ¿ entregaram uma mordaça preta ao presidente do instituto, Eduardo Nunes, durante a apresentação da Sínteses dos Indicadores Sociais. Era um protesto contra a portaria de 27 de janeiro, que proibiu os técnicos do IBGE de comentar pesquisas antes da divulgação oficial e fixou prazo de 48 horas de antecedência para o envio das pesquisas estruturais, como a Síntese, ao governo.
Nunes não reagiu ao ¿presente¿ recebido nem quis comentar o protesto dos funcionários. Antes do início da apresentação, o presidente do IBGE dissera que o próprio instituto pedira a portaria, para dar mais transparência à relação do instituto com o governo. A Síntese foi enviada à imprensa com uma semana de antecedência, mas segundo o sindicato, alguns técnicos evitaram analisar os números, com medo de represálias.
Educação consolida avanços em 2003
Taxa de escolarização das crianças entre 7 e 14 anos chegou a 97,2%
RIO e PORTO ALEGRE. O primeiro ano do governo Lula consolidou os avanços na educação obtidos nos dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Houve queda do analfabetismo, aumento da freqüência escolar e uma surpreendente maior participação de crianças na pré-escola. Entre 1993 e 2002, a taxa de escolarização das crianças entre 7 e 14 anos subiu de 88,6% para 96,9%. E, em 2003, o Brasil ficou ainda mais próximo da universalização do ensino nessa faixa etária, com uma participação de 97,2%.
Houve avanços na pré-escola sobretudo no Nordeste, onde 72,7% das crianças entre 4 e 6 anos estudam. No país, a freqüência escolar nessa faixa etária vem subindo gradativamente: 65,6% em 2001, 67% em 2002 e 68,4% em 2003. Para Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPS-FGV), esse é um dado a se comemorar:
¿ Pesquisas internacionais mostram que o investimento público em pré-escola proporciona os maiores retornos, sobretudo em regiões pobres, como o Nordeste. Na primeira infância, cria-se a capacidade cognitiva que será usada por toda vida. Mas é preciso ficar atento à qualidade deste ensino ¿ alerta o economista da FGV.
Enquanto o Nordeste tem a maior parcela de crianças na pré-escola, a Região Sul, uma das mais ricas do país, aparece com uma participação baixa, de 59,9%. A baixa taxa de escolarização das crianças de 4 a 6 anos no Rio Grande do Sul foi atribuída pelo secretário estadual de Educação, José Fortunati, aos escassos investimentos dos municípios nessa área. Em Porto Alegre, a estrutura municipal de educação atende apenas 35% da demanda nessa faixa etária.
¿Eles só aceitam com a idade mínima¿, diz gaúcha
No Rio Grande do Sul, a dificuldade de investimentos das prefeituras e o estabelecimento da idade mínima de 5 anos e 9 meses para que uma criança seja aceita na educação infantil em Porto Alegre, podem explicar a desvantagem apresentada pelo estado nessa área. A dona de casa gaúcha Ivanilda Moraes Tormes, de 32 anos e cinco filhos, por exemplo, não conseguiu encontrar escola para seu filho William Tormes de Lima, de 5 anos e 5 meses.
¿ Nós procuramos, mas eles só aceitam com a idade mínima. Se não, somente em escola particular e nós não podemos pagar. (Cássia Almeida, Luciana Rodrigues e Chico Oliveira)
Violência faz número de mulheres ser maior
Taxa de mortalidade masculina entre jovens de 20 a 24 anos cresce e confirma tendência
Nas últimas duas décadas, a violência atingiu mais os homens e, dentre eles, os mais jovens. Enquanto a taxa de mortalidade por causas externas entre as mulheres ficou praticamente inalterada, oscilando entre 18 e 22 óbitos para cada cem mil mulheres, entre os homens ela só fez subir na faixa etária entre 20 e 24 anos. Foram 184 óbitos contra 121 no início dos anos 80.
As mortes por causas externas mais freqüentes entre os homens são apontadas como uma das causas para a menor esperança de vida entre os homens. Enquanto as mulheres vivem, em média, até os 75,2 anos, os homens vivem até 67,6 anos.
Com as mulheres menos atingidas pela violência e com uma expectativa de vida maior, abriu-se um descompasso entre os números da população feminina e masculina. Há 95,2 homens para cada cem mulheres. A diferença no total da população é de 4,25 milhões a mais de mulheres.
De 1980 a 2000, 600 mil pessoas foram assassinadas
Sem a companhia masculina, há uma predominância de mulheres acima de 50 anos vivendo sozinhas: 71% vivem desacompanhadas. A proporção sobe nas regiões Sudeste (73,2%) e Sul (72,5%).
E o alto número de mortes entre a população masculina registrado pelo IBGE confirma a tendência apontada pelo instituto num estudo divulgado no ano passado. Na ocasião, o IBGE analisou números da violência cruzando dados do Censo de 2000 e concluiu que as mortes por homicídio representavam 57,1% dos óbitos masculinos na faixa etária entre 15 e 24 anos, número acima da média nacional de 41,8%. As mortes por armas de fogo entre os jovens chegavam a 71,7 por 100 mil habitantes no país. No Estado do Rio, apontado como o mais violento, o número saltava para 181,5 por 100 mil.
A mesma pesquisa mostrava que, entre 1980 e 2000, cerca de 600 mil pessoas haviam sido assassinadas no Brasil, um crescimento de 130% no período. O número de vítimas foi superior ao da guerra civil de 27 anos, em Angola e o número de mortes por armas de fogo para cada 100 mil habitantes, quase seis vezes maior do que nos Estados Unidos.
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AVANÇOU
MORTALIDADE INFANTIL: O índice caiu 33,1% desde 1993, segundo o IBGE.Hoje, são 27,5 óbitos de menores de um ano para cada mil crianças nascidas vivas. Apesar de alto, o número representa um grande avanço. Em 1970, eram cem por mil.
IDOSOS: O pagamento de aposentadorias e pensões está quase universal para os brasileiros com mais de 70 anos. Entre os homens, 96,1% contam com o benefício.
DECEPCIONOU
MÃES ADOLESCENTES: Segundo o Registro Civil, 20% das crianças que nasceram e foram registradas em 2003 tinham mães adolescentes. A gravidez entre mulheres muito jovens eleva o risco de mortalidade para mães e filhos
RENDIMENTO: O rendimento-hora das mulheres caiu 4,8%, e o dos homens, 2%. Entre a população com nível médio, a queda foi de 8,5%.