Título: BRASIL E EUA RETOMAM CONVERSAÇÕES SOBRE ALCA
Autor:
Fonte: O Globo, 25/02/2005, Economia, p. 29

¿Ouvi coisas estimulantes¿. Com esta frase, o embaixador brasileiro Adhemar Bahadian resumiu os dois dias de reuniões sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) com o representante americano, Peter Allgeier. Há dez meses sem se encontrarem, os dois co-presidentes da Alca retomaram as negociações em Washington na terça-feira e conseguiram tirar o gosto amargo que ficara no último encontro em maio, quando as conversações foram interrompidas porque uma proposta americana foi considerada pela diplomacia brasileira um recuo dos EUA em relação ao que fora acordado.

¿ Diminuíram as diferenças ¿ disse o porta-voz do Departamento de Comércio dos EUA, Richard Mills, ontem em Washington.

O otimismo foi reforçado num comunicado oficial assinado pelos dois co-presidentes da Alca.¿Os dois presidentes continuaram a fazer progressos e estão otimistas sobre o resultado da reunião¿, diz o texto. Se nada mudou concretamente, o clima entre as duas partes desanuviou. As duas questões mais espinhosas discutidas na rodada de reuniões foram a propriedade intelectual e o cronograma de redução de tarifas.

Segundo Bahadian, voltou-se a ter uma possibilidade de acordo sobre os prazos para a redução de tarifas, retomando-se os parâmetros acertados em 2003 em Miami, quando ficou estabelecido que os produtos brasileiros teriam as tarifas reduzidas em quatro etapas: assim que o acordo for assinado, cinco anos depois, dez anos depois e a longo prazo.

O avanço conseguido agora e o retrocesso registrado em maio estavam em torno de uma única palavra: ¿outros¿. Ao proporem ano passado a troca da expressão ¿longo prazo¿ por ¿outros¿, os americanos davam a entender que alguns produtos nunca teriam acesso livre ao mercado dos EUA, e isso causou a interrupção das negociações.

¿ Não foi eliminada a palavra ¿outros¿, mas conseguimos uma formulação melhor e esse ponto deixou de ser problema. Não era só uma questão temporal, mas ficou claro que se criariam quotas de forma permanente ¿ disse Bahadian.

Negociadores voltam a se reunir no fim de março

Na reunião ficou claro o que cada um está disposto a ceder e o que seria necessário para chegar a um acordo. O Brasil, por exemplo, recusa-se a ceder na questão da propriedade intelectual e não aceita incluir cláusulas adicionais ao já estabelecido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Para combater a pirataria, os americanos estão propondo que a Alca preveja ¿retaliações cruzadas¿, o que significa a possibilidade de punir um exportador qualquer porque cópias ilegais de produtos americanos estão sendo vendidas no mercado.

¿ Não podemos aceitar que um exportador que não tenha nada a ver com pirataria seja prejudicado se houver uma queixa de um empresário americano sobre um software ou um disco pirateado ¿ disse Bahadian, ressaltando que o Brasil também quer proteger seus produtos contra a falsificação, mas não acha essa maneira a mais correta.

Uma nova reunião entre os dois co-presidentes da Alca foi marcada para os dias 29 e 30 de março, provavelmente em Washington, porque Allgeier pediu que o ritual de alternar encontros nos EUA e no Brasil fosse quebrado dessa vez ¿ ele está interinamente como representante americano nas negociações comerciais, já que o antigo chefe, Robert Zoellick, foi trabalhar no Departamento de Estado com a nova secretária, Condoleeza Rice.

O embaixador brasileiro disse que não considerou grave a recusa dos americanos de partir para uma rodada de mercado, como propôs em Davos o ministro da Relações Exteriores, Celso Amorim, a Zoellick. Bahadian voltou a propor que se fizesse logo uma troca de ofertas e pedidos concretos sobre bens e serviços como forma de identificar o que estava travando as negociações da Alca, mas os americanos preferiram primeiro resolver as questões complicadas, como acesso a mercados, subsídios à exportação e propriedade intelectual.

¿ Chegar a um acordo não é fácil mas é possível, sobretudo se nos ativermos ao que ficou estabelecido em Miami ¿ disse Bahadian.