Título: BUSH E PUTIN ASSINAM ACORDO ANTITERROR
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Fonte: O Globo, 25/02/2005, O Mundo, p. 34

Na escala final de sua viagem de quatro dias à Europa, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, assinou um acordo ontem com seu colega russo, Vladimir Putin, visando ao controle de mísseis antiaéreos portáteis e à vigilância de armas, instalações e materiais nucleares para evitar que caiam nas mãos de terroristas. Os dois também exibiram uma posição conjunta contra programas nucleares militares do Irã e da Coréia do Norte.

A reunião de cúpula ocorreu na capital da Eslováquia, Bratislava, e encerrou a turnê de reconciliação de Bush com os principais aliados europeus que se opuseram à invasão do Iraque: a França, a Alemanha e a Rússia. Com o tom de diálogo que imprimiu a seus discursos e encontros que teve com líderes desses países, o presidente dos EUA procurou lançar uma ponte sobre o fosso transatlântico que a guerra cavou entre Washington de um lado e Paris, Berlim e Moscou do outro. Terminada a reunião, ele embarcou de volta para casa.

Críticas suaves e tom de entendimento mútuo

Apesar de advertências anteriores feitas já em solo europeu por Bush sobre recentes retrocessos na democracia na Rússia, os dois presidentes mostraram um tom cordial e de mútuo entendimento, com o americano tratando o russo pelo primeiro nome.

¿ Concordamos que o Irã não deve ter uma arma nuclear. Aprecio a compreensão de Vladimir sobre isso ¿ disse Bush. ¿ Concordamos que a Coréia do Norte não deve ter uma arma nuclear.

O Kremlin, no entanto, não recuou na assistência que presta ao Irã na construção de seu reator nuclear de US$800 milhões. Os EUA acusam Teerã de pretender usar a usina num programa secreto de armas atômicas. O governo iraniano nega e alega que o reator é para uso na produção de energia. Ainda assim, Moscou garantiu a Washington que não levará adiante a cooperação até que Teerã dê provas satisfatórias de que suas intenções são pacíficas.

¿ A Rússia deixou claro que todo o combustível será gasto e devolvido à Rússia para seu tratamento final. Achamos que é a forma adequada de tratar deste assunto ¿ declarou um alto funcionário americano.

Putin: democracia ajustada às necessidades russas

Outro possível foco de contenda ¿ as declarações de Bush sobre a recaída autoritária de Putin ¿ foi contornado diplomaticamente. Nenhum dos dois evitou o tema, mas cada um procurou ressaltar que o clima foi mais de troca de opiniões do que de críticas.

¿ As democracias têm algumas coisas em comum: o império da lei e a proteção das minorias, uma imprensa livre e uma oposição política viável ¿ enumerou Bush. ¿ Pude compartilhar minhas preocupações sobre o compromisso da Rússia com esses princípios universais. E o fiz numa maneira amistosa e construtiva.

Putin respondeu que as preocupações são infundadas e a Rússia fez sua opção pela democracia 12 anos atrás. E fez a ressalva.

¿ Os princípios da democracia devem ser adequados ao atual estado do desenvolvimento da Rússia.

GALINA MIHALEVA

`Divergências continuam¿

A política russa Galina Mihaleva, do partido de oposição Yabloko, disse ao GLOBO que Putin poderia mediar um conflito entre EUA, Síria e Irã, porque a Rússia tem boas relações com esses países.

Putin e Bush continuam amigos, apesar das expectativas negativas?

GALINA MIHALEVA: Amigos? Essa é a mania dos poderosos, chamarem-se de amigos e darem batidinhas nos ombros. É so teatro, cada um persegue suas metas. Algumas divergências continuam existindo, mas Bush não quer um confronto com Putin, porque os EUA continuam precisando da Rússia do ponto de vista da segurança e da economia. A Rússia foi um dos primeiros países a oferecer apoio aos americanos após o 11 de Setembro. Os dois são parceiros no combate ao terror e isso é mais importante que qualquer voz crítica dos americanos em relação à falta de democracia, à Chechênia ou à cooperação com o Irã.

Moscou continuará a cooperação nuclear com o Irã?

MIHALEVA: A Rússia sempre teve, desde a época da União Soviética, boas relações com diversos países da região, com palestinos, Irã ou Síria. Trata-se de um trunfo de Putin, pois tem poder de influência nos países e pode ajudar como um mediador.

Quais as principais divergências entre os dois?

MIHALEVA: Na minha opinião, a maior é a compreensão diferente do conceito de democracia. Qualquer observador percebe que o que restou de democracia em nosso pais é incrivelmente pouco. Mas acho que Bush optou por um tom conciliador. Antes do encontro houve declarações críticas dos EUA sobre a Rússia, mas Putin defendeu-se, dizendo, que ¿este é nosso estilo de democracia¿, que a democracia precisa ser adaptada à situação russa. O que significa isso?

Como os russos vêem o estilo russo de democracia?

MIHALEVA: Para falar a verdade, muitos russos mais velhos não sabem bem o que é democracia. Menos de 15 anos é pouco demais. Só cerca de 30% da população nas cidades e um pouco menos no campo entendem o que é democracia e criticam o governo pela redução das liberdades. Mas assim mesmo Putin perdeu nos últimos meses 15% da sua popularidade, não por causa da Chechênia, não pela falta de liberdade de imprensa, mas pelos cortes na aposentadoria, na assistência médica e na educação.