Título: Perito avaliará laudo sobre queima de arquivos
Autor: Rodrigo Rangel, Jailton de Carvalho e Heliana Fraz
Fonte: O Globo, 01/03/2005, O País, p. 10

O governo federal decidiu contratar um perito independente para avaliar o laudo que serviu de base ao inquérito policial-militar aberto pela Aeronáutica para investigar a suposta queima de documentos sigilosos da ditadura na Base Aérea de Salvador. A medida foi anunciada ontem pelo secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda. O escolhido foi o perito criminal Celso Nenevê, da Polícia Civil do Distrito Federal.

O laudo, assinado por peritos da Polícia Federal, concluiu que os papéis não foram incinerados na base, como mostrou reportagem de dezembro do ¿Fantástico¿, da Rede Globo. Mas, anteontem, especialistas ouvidos pelo programa contestaram as conclusões da perícia oficial, argumentando que a análise foi feita após adulteração do local. Para Nilmário, a contratação de um perito independente é a melhor maneira de tirar a dúvida:

¿ Para o governo, o importante é a transparência e a verdade. Confiamos no trabalho da Aeronáutica e da Polícia Federal. Mas, se surgiu dúvida, é nosso dever e obrigação esclarecer.

O trabalho de Nenevê será baseado nas fitas que geraram a dúvida. Ele vai comparar o vídeo mostrado pelo ¿Fantástico¿ no fim do ano passado com as imagens feitas pelos peritos federais que estiveram no local a pedido da Aeronáutica. Presidente da Associação Brasiliense dos Peritos Criminais, Nenevê presta serviços com freqüência à Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que o ministério não é órgão revisador, mas que vai tentar descobrir o que aconteceu, embora ache temerário afirmar que o local onde foram encontrados os documentos possa ter sido modificado antes da perícia.

¿ Não sou um órgão revisador de inquérito policial-militar e nem das perícias da Polícia Federal. Mas vou olhar e me interessar por isso ¿ disse ele.

Promotora diz que investigação prosseguirá

Em Salvador, a promotora do Ministério Público Militar Teresa Cristina Leal Baraúna, que acompanhou o IPM até agora, reiterou que os promotores vão continuar a cuidar do caso até a conclusão sobre a incineração do material. Não há prazo para o fim do trabalho. A partir de hoje, a investigação estará a cargo do promotor Samuel Pereira.

¿ Já levei até dois anos investigando um caso, mas cheguei ao culpado. Por isso posso afirmar que esse processo não ficará sem resposta ¿ disse ela.

A decisão do governo de contratar perícia externa não agradou ao presidente da Associação dos Peritos Criminais Federais, Antônio Mesquita:

¿ O mais comum é que se faça as indagações aos peritos que fizeram o trabalho.

A comissão de parentes de militantes desaparecidos enviou uma carta aberta ao presidente Lula protestando contra o inquérito. A comissão classificou o resultado de aviltante e cobrou a liberação completa dos arquivos da ditadura.

¿Qual não foi nosso espanto e indignação ao vermos, ontem, no `Fantástico¿ que, com base no laudo da perícia técnica da Polícia Federal, o inquérito policial-militar da Aeronáutica concluiu que não houve queima de documentos sigilosos produzidos durante a ditadura de 1964 num terreno na Base Aérea de Salvador e, pior, que nenhuma autoridade militar tem responsabilidade no episódio¿, diz a comissão. Foi considerada absurda a conclusão de que ¿o único delito militar foi praticado pela pessoa, não identificada, que fez a filmagem dos documentos incinerados¿, como consta do relatório das investigações.