Título: Depois do rompante, a guerra
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Fonte: O Globo, 26/02/2005, O País, p. 3
Àconfissão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que mandara um ¿alto companheiro¿ abafar denúncias de corrupção no governo Fernando Henrique, seguiu-se ontem uma dura troca de ataques entre PT e governo, de um lado, e PSDB e demais partidos de oposição, de outro, antecipando o clima que deverá marcar as eleições do ano que vem. Em meio a discursos inflamados e notas no mesmo tom, não apareceu um só bombeiro. Fernando Henrique acusou Lula de ¿delito de acobertamento¿, atribuiu o discurso de improviso do presidente à ¿falta de controle verbal¿ e exigiu retratação. ¿Se (Lula) calar, caberá ao Congresso exigir que a lei se cumpra¿, disse.
Em reunião na noite de anteontem, Lula percebeu a gravidade do que falara horas antes no Espírito Santo e, com assessores, decidiu se calar ontem. Mas escalou ministros para sair em sua defesa, e estes recorreram a ameaças como a de abrir uma CPI para apurar o processo das privatizações no governo passado. Em solenidade sobre a reforma universitária, Lula pediu aos presentes que tentem convencer a população sobre supostos avanços na proposta e afirmou: ¿Não (podemos) permitir, em nenhum momento, que uma notícia atravessada ou que um discurso atravessado jogue por terra uma coisa com que todos vocês sonham¿. A frase foi interpretada como uma referência ao discurso de improviso da véspera, mas o Planalto negou que tivesse qualquer relação com o episódio.
Em entrevista logo cedo em Buenos Aires, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, defendeu Lula e, sobre a ameaça da oposição de tentar processar o presidente por crime de responsabilidade, contra-atacou:
¿ O feitiço pode virar contra o feiticeiro. Investigações são feitas pelo Congresso, nós sabemos como começa mas não sabemos como termina ¿ disse, acusando a oposição de tentar criar um clima de instabilidade política.
Na mesma linha, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse ser a favor de uma CPI para investigar as privatizações do governo Fernando Henrique e recorreu à defesa da governabilidade para justificar a atitude de Lula:
¿ O presidente não fez nada que pudesse ser imputado como um ato ilegal ou do mal.
No Congresso, líderes do PSDB disseram que o presidente é réu confesso e que o partido não se intimidará com ameaças de CPI sobre o governo passado. O senador Jefferson Peres (PDT) chegou a dizer que o presidente é mentiroso ou criminoso e não sabe o que é ser presidente da República. O PSDB protocolou na Mesa da Câmara pedido de processo por crime de responsabilidade contra Lula. A oposição apresentou também requerimentos de convocação de Dirceu para explicar as declarações do presidente e estuda fazer uma interpelação ao Ministério Público. Coube ao novo líder do PT no Senado, Delcídio Amaral, que foi diretor da Petrobras no governo Fernando Henrique, discursar em defesa de Lula. Ele confirmou que a conversa a que o presidente se referira teria ocorrido com o então presidente do BNDES, Carlos Lessa, logo no início do governo. O Ministério Público Federal, que já investiga a privatização da Eletropaulo, anunciou ontem que deverá convocar Lessa para depor.