Título: Lula só se deu conta da gravidade do que falara ao chegar a Brasília
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Fonte: O Globo, 26/02/2005, O País, p. 4

O Palácio do Planalto montou uma operação na noite de anteontem para tentar blindar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dos ataques da oposição a seu polêmico discurso em que afirmou ter pedido silêncio a um alto funcionário que lhe apresentou denúncia de corrupção nas privatizações do governo Fernando Henrique. Numa reunião que contou com a presença da cúpula palaciana, decidiu-se que o presidente não falaria do assunto e que líderes governistas e ministros sairiam ontem em sua defesa.

O presidente Lula só se deu conta da gravidade do seu discurso quando chegou a Brasília na noite de quinta-feira. Advertido por um assessor sobre a repercussão negativa e de que o PSDB ameaçava abrir processo por crime de responsabilidade contra ele, Lula mostrou-se surpreso. Mesmo assim, não demonstrou arrependimento.

¿ Eu estou apanhando o tempo todo e não posso falar? Ninguém pode dizer que estou sendo leviano. Todo mundo sabe do que aconteceu! ¿ desabafou Lula, numa referência, principalmente, às críticas recentes do ex-presidente Fernando Henrique a seu governo.

Nem nota de FH rompe o silêncio do presidente

Mas ele nada falou ontem. Nem a nota de Fernando Henrique, cobrando retratação de Lula, mudou sua atitude. Até o início da noite ele continuava em silêncio sobre a polêmica. Lula só foi informado da nota do ex-presidente quando já estava a caminho da Base Aérea de Brasília, de onde partiu para São Paulo. Mesmo irritado com o tom de Fernando Henrique, que o acusou de ¿delito de acobertamento¿, Lula manteve o que fora acertado com o núcleo de coordenação política.

No Palácio do Planalto, a avaliação é de que a nota de Fernando Henrique faz parte da estratégia da oposição de explorar ao máximo o episódio. Por isso mesmo, Lula não deve responder. Segundo um assessor do governo, o objetivo da nota foi desgastar a imagem do presidente, principalmente no que o governo considera um dos seus grandes ativos: o combate à corrupção. Alguns integrantes do núcleo do governo voltaram a defender que Lula evite falar tanto de improviso para evitar episódios semelhantes.

Segundo um assessor, a operação blindagem foi montada quando se detectou que havia um forte potencial de crise nas declarações do presidente. Na avaliação de um ministro petista, o discurso de Lula foi desastroso. Nos últimos dias, Lula tem se mostrado irritado com os ataques da oposição, principalmente com as críticas repetidas do tucano Fernando Henrique. Mas para esse ministro, é preciso ter cuidado redobrado ao responder aos ataques para não errar o alvo. Para o próprio Lula, segundo relato de um ministro, a oposição estava se aproveitando da situação por motivos eleitorais.

¿ O PSDB está valorizando esta declaração porque já está em campanha para 2006 ¿ disse Lula, irritado.

As decisões sobre a operação blindagem foram tomadas um pouco antes da reunião da Junta de Execução Orçamentária, que bateu o martelo sobre o corte de R$15,9 bilhões no Orçamento. Lula chegou do Espírito Santo e foi para a reunião.

Dirceu foi consultado por telefone de Buenos Aires

Além do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, presente ao encontro junto com o ministro do Planejamento, Nelson Machado, também foram consultados por telefone sobre o polêmico episódio os ministros José Dirceu (Casa Civil), que estava em Buenos Aires, e Márcio Thomaz Bastos (Justiça).

Ficou decidido que Dirceu e Bastos sairiam em defesa de Lula tentando amenizar os fatos. O ministro Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação) foi encarregado de passar uma versão mais amena do discurso, enquanto o ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política) comandou ofensiva com os líderes aliados no Congresso.