Título: INIMIGOS DA VIDA
Autor: OSIAS WURMAN
Fonte: O Globo, 26/02/2005, Opinião, p. 7

Choca-nos as notícias quando comparamos a reação de nosso povo com a atitude do povo italiano.

Em São Paulo, na mais populosa e importante cidade da América do Sul, 200 pessoas se reuniram para pedir a libertação do engenheiro João José Vasconcellos Júnior, seqüestrado no Iraque há mais de um mês. No mesmo dia em Roma, capital da Itália, mais de 200 mil manifestantes saíram em passeata pedindo pela vida da jornalista Giuliana Sgrena, também seqüestrada por terroristas iraquianos. O contraste no número de participantes entre as duas manifestações nos deixa um profundo sentimento de culpa por uma indiferença que não é a característica do povo brasileiro. Qual seria o motivo para este minguado evento na paulicéia?

Parece que nós, brasileiros, acreditamos que apelar para governos ¿amigos¿ dos terroristas, como foi feito com a Síria, ou enviar diplomatas para as capitais árabes, poderia substituir uma gigantesca manifestação nacional, imbuída simultaneamente de indignação e solidariedade.

Indignação pela ação de grupos terroristas que se transformaram em verdadeiros inimigos da vida, hoje concentrados no Iraque, outrora explodindo inocentes na Terra Santa e com variantes como o brutal assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, o artífice da reconstrução do Líbano, que reivindicava a saída dos 20 mil soldados sírios estacionados no país.

Solidariedade pelo apoio dado à família de nosso engenheiro que aceitou os riscos da região com o intuito de ajudar a construir progresso para um povo combalido. É deste mesmo povo que partem fanáticos assassinos para explodirem mesquitas, escolas, hospitais e até velórios, num banho de sangue que mancha a História e a imagem do mundo islâmico, em profunda dissonância com os princípios éticos e morais do profeta Maomé.

O momento atual clama por iniciativas coletivas de massa que repercutam nos veículos de comunicação em todo o mundo, como um anseio de milhões de brasileiros, o que certamente não foi o caso na minguada iniciativa paulista.

Importante lembrar que de nada adiantaram as tratativas diplomáticas do governo francês, um fiel aliado do mundo árabe e em especial do famigerado Saddam Hussein, quando dois jornalistas franceses foram seqüestrados no Iraque e pedido o resgate de 5 milhões de dólares.

Assisti na França, em novembro passado, às inúmeras idas e vindas dos negociadores que jogavam esperança num imediato desfecho para a crise, para logo em seguida anunciar o fracasso nas negociações. Foram meses infindáveis neste clima macabro desenvolvido pelos terroristas. Somente o clamor popular, a pressão da mídia européia e as manifestações críticas da comunidade islâmica francesa conseguiram garantir a libertação dos dois jornalistas, ignorando-se se foi pago o resgate pretendido.

No Brasil, a imprensa vem cumprindo plenamente seu papel, dedicando destaque às minguadas iniciativas marcadas por uma miopia ou até por uma lamentável indiferença.

Míopes no que se refere aos pedidos diplomáticos a países árabes para que intervenham nos grupos terroristas por uma solução ¿milagrosa¿, esquecendo que os seqüestradores não têm respeito algum à vida humana, nem a laços de amizade. Amigos e inimigos vêm tendo o mesmo tratamento de suprema indignidade.

Indiferença de nossa parte, que nos limitamos à compaixão manifestada timidamente durante a leitura dos jornais ou assistindo ao sofrimento da família Vasconcellos pelos noticiários da televisão.

Vamos às ruas, enquanto é tempo, demonstrar nossa indignação para com os inimigos da vida.