Título: ESCÂNDALO DERRUBA MINISTRO FRANCÊS
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Fonte: O Globo, 26/02/2005, O Mundo, p. 33
O ministro da Economia francês, Hervé Gaymard, pediu demissão ontem, atropelado por um escândalo sobre sua fortuna imobiliária que feriu seriamente a reputação de bom moço que cultivou e, sobretudo, a imagem do presidente Jacques Chirac. Desde que o jornal satírico ¿Carnard Enchainé¿ revelou que ele alugara um apartamento de 600 metros quadrados por 14 mil euros por mês por conta dos cofres públicos, e ainda fez uma reforma que custou ao governo 150 mil euros ¿ o equivalente ao preço de um pequeno apartamento em Paris ¿ a pressão não parou de crescer.
O substituto foi anunciado horas depois. Será o atual presidente da France Telecom, Thierry Breton, um aliado do primeiro-ministro, Jean-Pierre Raffarin.
Gaymard ¿ um dos protegidos do presidente Chirac ¿ perdeu um dos cargos mais importante da França nem tanto pelo apartamento, mas pela série de mentiras que inventou na tentativa de se livrar do escândalo. Ele disse que não tinha dinheiro e insinuou que não tinha apartamento, mas foi ridicularizado quando a imprensa francesa mostrou que ele tinha não apenas dois apartamentos (um deles de 200 metros quadrados no valor estimado de um milhão de euros no luxuoso bairro de Saint-Germain de Près, em Paris) como também escritórios, garagens e duas grandes casas, nas regiões de Bretanha e Savóia.
Desemprego passa dos 10% na França
O escândalo levou o governo a anunciar na semana passada uma nova regra, segundo a qual cada ministro terá direito a 80 metros quadrados pagos pelo governo, mais 20 metros quadrados por filho.
A queda do ministro aconteceu no dia em que novas estatísticas revelaram que a taxa de desemprego no país ultrapassou 10%. Num momento em que a França pena para crescer economicamente, que o governo tenta convencer a população a apertar o cinto e que pobres de Paris estão na rua em razão dos custos elevados da moradia, as revelações das regalias do ministro caíram como uma bomba.
¿ Tenho consciência de ter cometido imperícias e um erro sério de avaliação sobre minhas condições de ocupação de apartamento funcional. Coloquei um fim a esta situação. Assumirei, como já indiquei, as conseqüências financeiras ¿ anunciou Gaymard, num comunicado em que se queixa de uma perseguição à sua família nos últimos dias.
O jornal satírico deu o primeiro golpe há dez dias, com a revelação de que o governo estava pagando 14 mil euros por um luxuoso apartamento de 600 metros quadrados num bairro nobre de Paris para Gaymard, sua mulher e seus oito filhos. Gaymard havia recusado um apartamento do governo perto do ministério, alegando que ficava longe da escola dos filhos. À imprensa, assegurou que desconhecia o preço do aluguel ¿ já que isso teria sido tratado por assessores ¿ e anunciou que estava devolvendo o apartamento. Numa entrevista à revista ¿Paris Match¿, Gaymard, de família modesta de sapateiros, evocou suas origens e disse não ter patrimônio.
¿ Não tenho dinheiro. Evidentemente se não fosse filho de um sapateiro e comerciante de sapatos, mas um grande burguês, seria, claro, proprietário do meu apartamento e não teriam feito todo este caso.
Chirac perde um de seus seguidores no Gabinete
Esta frase foi o tiro de misericórdia. Quanto mais a imprensa francesa investigava mais Gaymard se enrolava em mentiras. Descobriu-se que a família Gaymard fez uma reforma monumental no apartamento e que o ministro visitou o lugar antes de se mudar. Quando foi revelada a existência de seu apartamento de 200 metros quadrados em Paris, o ministro disse que estava vazio. Jornalistas descobriram que não apenas estava ocupado, como era alugado por 2.300 euros por mês. Ontem, o jornal ¿Libération¿ deu o golpe final, ao revelar a existência de uma casa em Savóia, no valor de até 400 mil euros, outra na Bretanha, num terreno de 957 metros quadrados, no valor de até 300 mil euros, além de dois apartamentos, escritórios e garagens.
Para o presidente Chirac, este foi mais um duro golpe. Católico fervoroso, o ex-ministro era uma estrela ascendente no governo e um de seus seguidores, diante do trator Nicolas Sarkozy, o maior rival do presidente na corrida do partido de direita para escolher o candidato às eleições presidenciais de 2007.