Título: `ABRIL SERÁ O DIVISOR DE ÁGUAS¿
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Fonte: O Globo, 27/02/2005, O País, p. 3

Primeiro presidente do Incra no governo Lula, em 2002, o geógrafo Marcelo Resende, de 35 anos, atua hoje na Rede Social de Justiça, uma das ONGs organizadoras do Fórum Social Mundial. Resende foi o presidente do Instituto de Terras de Minas Gerais, no governo Itamar Franco, e saiu do governo acusado de manter ligações com o MST. Ele não nega o vínculo e avalia que dificilmente o governo Lula se aproximará dos índices de reforma agrária de Fernando Henrique Cardoso. Segundo Resende, o presidente não consegue fazer a reforma agrária que prometeu porque depende dos 180 votos dos deputados ruralistas. Ele diz que o Brasil tem diversos "barris de pólvora", como Anapu.

Qual é sua avaliação sobre os focos de violência agrária no país?

MARCELO RESENDE: O que está ocorrendo em Anapu, embora as atenções estejam voltadas para lá, não é isolado. Assassinatos são termômetros, não indicadores. Mato Grosso, Minas Gerais e Pernambuco são outras Anapus. São três pontos: a alta concentração de terra e uma reforma agrária tímida ou praticamente paralisada; os projetos do agronegócio, as reflorestadoras, as monoculturas e a ausência do Estado.

Qual é a sua opinião sobre a reforma agrária do governo Lula?

RESENDE: Só estamos apagando incêndios no país. É um absurdo, porque nosso governo foi o mais comprometido desde sempre com a reforma agrária. Pelo menos a reforma agrária Lula tinha que fazer. Pelo menos. Estamos fazendo um grande esforço para conseguir esbarrar nos números do Fernando Henrique, que tanto criticamos, olha que absurdo. Dentro de pouco tempo, mantido este ritmo, teremos que reconhecer que Fernando Henrique fez ¿uma bela reforma agrária¿, o que é mentira. A reforma agrária no Brasil sai do papel com três medidas do ministro Miguel Rossetto. Ele teria que decretar e exigir, com um prazo de seis meses, três documentos dos fazendeiros: a declaração do registro do imóvel, a localização geo-referenciada e o ônus da prova. É o fazendeiro que tem que provar que sua terra é produtiva. A situação tem que ser enfrentada no atacado e no varejo.

Por que o governo Lula não toma estas medidas, definitivamente?

RESENDE: Por causa do baixo clero, dos 180 deputados ruralistas. Sem eles, Lula acha que perde a governabilidade. O problema não é isolado, do Judiciário, como dizem. O problema são as alianças fechadas lá atrás. O governo tinha dois caminhos: empurrar com a barriga, como tem feito, ou criar um choque de gestão. Agora não vai dar mais para ficar escondendo os números. Simplesmente não vamos conseguir cumprir as metas de assentamentos. Logo haverá o abril vermelho e os movimentos não conseguem mais segurar. Abril será o divisor de águas.