Título: Amélia vive seus dias de glória
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Fonte: O Globo, 27/02/2005, O País, p. 12

A ¿terceira-dama¿ da República, dona Catarina Amélia Cavalcanti, tem cara de vovozinha, diz que é muito tolerante, mas é uma pimenta e avisa que tem pena de quem pisar nos seus calos. Ou nos calos do marido, o novo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Ela cursou ciências sociais na Faculdade Mackenzie, em São Paulo, antes de se casar com o então mascate de jóias e ex-retirante nordestino. Numa das viagens a Aparecida do Norte, onde aproveitava a romaria para vender medalhinhas de Nossa Senhora, o rapaz fisgou a futura mulher entre as quatro amigas a quem fora apresentado por um conhecido. Os dois, ambos com 74 anos, estão casados há 51 anos.

A primeira semana depois da vitória de Severino está sendo um turbilhão de felicidade e indignação. Dona Amélia diz que está uma arara com o tratamento dado ao marido.

¿ Muita gente atira flores e muita gente atira pedras. Digo aos meus netos todos os dias para que fiquem calmos, porque ninguém atira pedras em árvore que não dá fruto. Isso é porque está incomodando. Mas o povo tem que aprender que o mundo foi feito para todos. Quem batalha tem direito de vencer ¿ defende.

De personalidade forte e opiniões próprias, nunca ouve um ¿não¿ do marido em sua frente. Mas quando sai de sua presença, ele faz o que lhe dá na cabeça.

¿ Ele faz é o que quer. Essa disputa pela presidência foi uma guerra lá em casa...ele acabou de colocar um marca-passo, mas não posso dizer que mando nele. Entrou na política contra a minha vontade. Não tenho razões para gostar de política. Ele chegou a ser um grande atacadista de jóias em São Paulo e até o que herdei do meu pai foi embora (na política) ¿ diz ela.

Mas nas grandes questões que fazem do marido um político conservador, dona Amélia é mais avançada e flexível: é a favor do aborto em caso de anencefalia e risco de vida para a mãe e favorável a pesquisas com células-tronco de embriões.

¿ Sou inteiramente a favor da vida. Mas a Igreja deve rever a questão dos fetos sem cérebro e os riscos de vida da gestante. Em relação às pesquisas com embriões humanos, isso representa um avanço muito importante para a ciência e não posso ser contra o que pode justamente salvar vidas.

Alvo do ódio de grupos gay e tachado de homofóbico, Severino é defendido pela mulher. Ela diz que os dois não são contra os homossexuais, só contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

¿ Temos amigos homossexuais maravilhosos. O que nós, como católicos antigos e que já estamos velhos para mudar não aceitamos, é o casamento como instituição. Podem viver juntos, com direito de herança. É só ir no cartório e fazer um contrato.

Há uma semana na residência oficial da Câmara, dona Amélia diz que a casa é confortável mas simples, com apenas uma suíte e dois quartos com banheiros fora. O que mais encanta é a vista do Lago Paranoá, que margeia gramados nos fundos da casa.

¿ Eu até gosto de plantas e converso com elas. Elas é que parecem não gostar de mim, nunca vão pra frente.

Dona Catarina Amélia já fez amizade com os cozinheiros, arrumadeiras, garçons e motoristas da residência oficial, com quem conversa e já trata com intimidade.

¿ Estou me dando muito bem com todos. Estão assustados porque os antigos moradores não chegavam na cozinha. Não vou mudar muita coisa, estou aqui por uma chuva e logo vou embora. Vou trazer minhas fotos e alguns objetos que me são caros para me fazer companhia.

A nova comandante da casa vai muitas vezes à cozinha, mas confessa que detesta cozinhar. Não se rende nem aos apelos do filho José Maurício, que sente saudades de seu purê de forno com carne moída.

¿ De todos os trabalhos que Deus deixou, cozinhar é o pior de todos. Detesto cozinhar...

Diz que está preparada para as novas tarefas de primeira-dama e que a exigência de receber ministros e altas autoridades não a assusta.

¿ Sou o que sou. Do mesmo jeito que trato bem um ministro trato um empregado. Se for para levar a vida de modo artificial, a gente não vive...

A única coisa que atrapalha a felicidade é a falta do filho Severino Júnior, morto em um acidente de carro há dois anos. Deprimida e com problemas de pressão alta, as tarefas como primeira-dama da Câmara estão lhe dando novo ânimo. Ainda chora ao falar da morte do rapaz. Para ajudar a superar a perda, aprendeu a gostar de livros de auto-ajuda, e ouve fitas com seleções de músicas religiosas de Roberto Carlos. Diz que não existe música mais linda que ¿A montanha¿.

¿ A música ajudou muito na época da morte do meu filho. Fiquei baqueada e só a fé em Deus me sustentou. Eu rezava e pedia: ¿Meu Deus, que isso nunca aconteça comigo porque eu não agüento, não tenho estrutura, a coisa mais preciosa para mim são meus filhos e meus netos¿. Deus me mostrou que eu tinha de ter forças, porque ficaram os outros que continuam precisando de mim ...¿ conta dona Amélia.

Para se arrumar para a recepção aos príncipes das Astúrias, semana passada, escolheu um vestido de festa verde-água, com um conjunto de broche e brincos de brilhantes com pérolas. Uma maquiagem mais produzida, um penteado mais cuidadoso e estava pronta . Só reclamou do scarpin de bico fino. Diz que é chocólatra confessa.

¿ Sou louca por chocolates! Se chego em algum lugar onde tem uma bomboniére e a pessoa não me oferece, fico olhando para os chocolates e nem consigo prestar atenção na conversa ¿ confessa.