Título: ASSASSINATO DE DIONÍSIO SERVE DE ALERTA PARA AMBIENTALISTAS
Autor:
Fonte: O Globo, 27/02/2005, Rio, p. 24

Os tiros que mataram Dionísio Júlio Ribeiro resvalaram na crença de outros ambientalistas que, até o início desta semana, ainda acreditavam na máxima de que ¿cão que ladra não morde¿ e que ameaças são na verdade a prova de que estão no caminho certo. Dionísio e o agente florestal do Ibama Márcio Castro das Mercês, seu parceiro no Grupo de Defesa da Natureza, foram ameaçados em novembro último. Depois da morte do ambientalista, a secretária eletrônica da casa de Márcio registrou uma nova tentativa de intimidação: uma pessoa ligou orientando-o a ficar calado.

Se antes não acreditavam que registros policiais pudessem resolver o problema, ambientalistas começam a rever sua postura:

¿ Eu já sofri e ainda sofro ameaças ¿ afirmou o coordenador da Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (Sapê), Ivan Marcelo Neves. ¿ Já perdi um companheiro (Álvaro Marques de Oliveira, assassinado em 1999 em Angra dos Reis), mas nem assim passei a registrar queixa. Na verdade, a gente se sente meio ridícula de registrar ameaça, como se soubesse que não adianta nada. Eu sei que é errado pensar assim. Com certeza é hora de mudar de postura sobre essas ameaças.

Ex-subsecretário ameaçado tirou licença e viajou

O advogado e ambientalista Rogério Rocco também não ligava para as ameaças que recebia como subsecretário de Meio Ambiente de Niterói. Até o dia em que encontrou a sede da secretaria trancada a cadeado e depois foi avisado, por telefone, de que estava com seu destino selado:

¿ Em outras vezes, as pessoas desligavam o telefone rapidamente. Ao mesmo tempo que faziam ameaças demonstravam medo de ser descobertas. Dessa vez, um homem avisou que não tinha o que negociar. Eu e uma fiscal havíamos contrariado interesses econômicos e íamos morrer. Fomos aconselhados pela Secretaria de Segurança a tomar medidas de cautela. Eu tirei licença de 30 dias e viajei. A funcionária não quis mais trabalhar na fiscalização.

Mesmo que a maioria das vítimas não recorra à polícia, só no ano passado foram registrados no Rio 9.546 casos, entre ameaças de morte, agressões e invasões, segundo o Instituto de Segurança Pública.

Outro ambientalista já havia sido morto no Tinguá

Ameaças tornaram-se rotina para quem trabalha na defesa do meio ambiente. No Rio, pelo menos nove funcionários do Ibama estão ou já foram ameaçados. Em Paraty, quatro ecologistas tiveram que fugir porque estavam jurados de morte. Em Tinguá, outro ambientalista do Grupo de Defesa da Natureza já havia sido assassinado: Zé Caxias. Um dos ex-presidentes do Conselho de Defesa da Ilha Grande teve que se mudar para outro estado:

¿ Vivemos em constante aflição. Na verdade, não adianta apenas buscar quem matou o ambientalista. O Estado e a sociedade precisam combater o que está causando essas mortes. Em Angra, Paraty, Tinguá, o motivo é sempre o mesmo. Por trás desses crimes ambientais existem grandes interesses econômicos ¿ afirmou um líder ambiental da Ilha Grande que também já sofreu ameaças.

Segundo o subsecretário de Direitos Humanos, Paulo Bahia, que está acompanhando o caso dos ambientalistas ameaçados, as vítimas precisam registrar queixa. Para Bahia, não cabe a elas decidir se o risco que correm é real ou não:

¿ Toda vez que uma pessoa nos procura para denunciar ameaça, nossa primeira providência é registrar a queixa. As pessoas sentem vergonha, mas a verdade é que precisam procurar a autoridade policial, até para que seja apurado se a ameaça é real e se elas precisam de proteção.

De acordo com ele, existem hoje na Secretaria de Direitos Humanos dois programas para proteção das vítimas:

¿ O programa de proteção à testemunha atende a 82 pessoas. Na maioria dos casos, são testemunhas de crimes praticados por policiais. Nós também temos um programa de proteção para vítimas da violência e ameaçados ¿ disse Bahia.

A Comissão de Meio Ambiente da Alerj e o grupo formado na Casa para acompanhar a investigação do assassinato de Dionísio estão iniciando um levantamento de problemas relacionados à questão ambiental, ocorridos nos últimos três anos no Rio. O objetivo é a criação de uma força-tarefa federal para combater crimes ambientais:

¿ Não queremos mais enterrar ambientalistas. A idéia também não é apenas prender culpados pelos assassinatos. Vamos preparar um dossiê que dê elementos para o trabalho de uma força-tarefa federal ¿ disse o presidente da Comissão de Meio Ambiente, deputado Carlos Minc (PT).

A ameaça é um crime considerado de menor potencial ofensivo, punido com pena de até dois anos de reclusão. A rotina das delegacias tem sido encaminhar os casos para os Juizados Especiais Criminais:

Mesmo sabendo que, na maioria dos casos, de pouco adianta fazer o registro, o ambientalista José Miguel da Silva, o Zé do Pó de Broca, preferiu não arriscar. Ele não tem dúvida de que o pedido de socorro à polícia foi fundamental para que não engrossasse a lista de mártires da causa ecológica:

¿ Se não fosse a Secretaria de Segurança Pública, eu estaria morto agora. A vítima não deve ter vergonha ou medo de procurar a polícia. Mesmo que não seja caso de proteção policial, ela poderá receber orientação de como tratar o problema.

Amigo e companheiro de luta há mais de 20 anos de Dionísio, Márcio Castro ainda não sabe como agir. Mas, mesmo recebendo ameaças e avisos de ¿amigos¿ de que é o próximo da lista, ele diz que vai continuar na luta:

¿ Outros companheiros foram à reunião (na quinta-feira) com o Marcelo Itagiba (secretário de Segurança) para falar sobre a situação. Eu estou muito abalado. Tenho origem indígena, não sei viver longe da natureza. Hoje, o que sinto diante da morte de Dionísio e do risco que corro não é mais medo, é uma profunda melancolia. Como se isso fosse uma verdade que não podemos mais mudar.