Título: DE QUEM É A CULPA?
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Fonte: O Globo, 27/02/2005, Rio, p. 29

O pescador Marcelo Alves atraca o barco na Praia de Ipiranga, em Mauá, distrito de Magé, durante a maré seca. Depois, caminha cerca de 600 metros em meio a uma paisagem árida, que lembra a de um deserto, até pisar em terra firme, onde é recebido por um mar de cascalhos, garrafas PET e objetos de plástico. Este é o cenário da Baía de Guanabara.

Mas, por que o quadro não se encaixa naquele pintado pelo programa de despoluição da baía, cujas obras, iniciadas em 3 de fevereiro de 1995, arrastam-se há dez anos? Numa avaliação do projeto, secretários de estado dos quatro últimos governos trocam acusações sobre as responsabilidades de cada um no debilitado programa de US$ 1,04 bilhão (R$2,7 bilhões).

Rato acusa sucessores de má gestão da despoluição

Secretário de Obras de 1995 a 1998, durante o governo Marcello Alencar, Antonio Manoel Rato alega ter recebido o programa com atraso de um ano (o contrato entre o estado e os agentes financiadores foi assinado em março de 1994, durante a administração de Leonel Brizola). E sustenta que, apesar disso, o cronograma foi inteiramente cumprido. Para Rato, foram os atrasos posteriores que inviabilizaram o cumprimento das metas:

¿ A crise instalada no programa, que se pode constatar hoje, é conseqüência das gestões que permitiram paralisações, descontinuidades e não operaram devidamente os equipamentos instalados.

Além disso, o ex-secretário critica os erros de concepção do programa, como o modelo de gestão por grandes bacias, com ¿gigantescas estações de tratamento de esgoto, elevados custos de construção, operação dispendiosa e maior complexidade técnica¿. Outro problema, diz ele, é que a Cedae, órgão executor do projeto, não tem capacidade de investimento para levar os serviços de água, coleta e tratamento de esgoto a toda a população.

Secretário de Garotinho: programa não é um fracasso

Luiz Henrique Lima, secretário de Saneamento e Recursos Hídricos entre maio de 2000 e abril de 2002, durante o governo Anthony Garotinho, traça um quadro diferente dos primeiros anos do programa. Ele afirma ter encontrado uma situação crítica em algumas áreas. E cita como exemplo a falta de troncos e redes nas Estações de Tratamento de Esgoto de Alegria (Caju), Sarapuí (Belford Roxo) e Pavuna.

¿ Em 1999, ao iniciar-se o governo Garotinho, após cinco anos do programa de despoluição, não havia sido executado nenhum metro de tronco e rede coletora nos sistemas de Alegria, Sarapuí e Pavuna. Para as bacias de Sarapuí e Pavuna, que incluem os municípios de São João de Meriti, Belford Roxo, Caxias, Nilópolis, Mesquita e bairros do Rio, não havia sequer um contrato firmado para execução das obras.

O ex-secretário não considera que o programa tenha fracassado, apesar do atraso de seis anos, do aumento de gastos (de US$793 milhões para US$1,04 bilhão) e do não cumprimento da meta de tratar, até 1999, 58% do esgoto jogado na baía (hoje são tratados 25%). Luiz Henrique alega que no governo Garotinho o programa teve seu melhor desempenho. O fato de não apresentar resultados positivos, segundo ele, pode ser atribuído ¿a sérios erros de concepção¿.

Para ele, o prazo fixado para a conclusão do programa foi irreal, face à capacidade de investimentos do estado. Critica ainda a descontinuidade administrativa e o nome despoluição, ¿por gerar uma expectativa muito alta, de limpeza total da baía, impossível de ser alcançada em poucos anos¿.

Agostinho Guerreiro, secretário de Saneamento e Recursos Hídricos de Benedita da Silva, vê de forma diferente as gestões de seus antecessores. Diz que pegou o programa ¿arrasado, já com quase todos os problemas agora denunciados e com as obras paralisadas¿ e o pôs em andamento, apesar do curto período de administração (de abril a dezembro de 2002).

¿ O projeto dá a impressão de que foi executado de trás para frente, ou seja, as grandes obras, como as estações de tratamento de esgoto, ficaram prontas logo, mas parecem elefantes brancos, pois não têm esgoto para tratar. Enquanto as estações vão tendo os equipamentos cada vez mais deteriorados, os troncos coletores continuam sem ser construídos.

Segundo Guerreiro, os governos que o antecederam omitiram informações à população sobre a real situação do programa. Para ele, ¿apesar da dura realidade, do tempo perdido e dos gastos de dinheiro público, é preciso dizer a verdade¿.

O atual secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, Luiz Paulo Conde, argumenta que não se pode falar em fracasso, mas em ¿atraso na implantação de algumas obras¿. Para ele, todos os governos são responsáveis pelo adiamentos.

¿ No nosso entendimento, o que se verifica no programa é atraso e não fracasso. A implantação de algumas obras teve seus prazos dilatados, o que compromete o funcionamento dos sistemas e, conseqüentemente, os seus efeitos. Mas o programa está em andamento e com muito mais qualidade do que o previsto inicialmente.

Conde promete concluir obras até setembro de 2006

Conde afirma que desde que assumiu o cargo, em 2003, tem trabalhado para acelerar esse processo. Segundo ele, este ano serão inauguradas obras importantes como as das estações de tratamento de esgoto de Pavuna e Sarapuí.

Em relação aos equívocos do projeto, o secretário cita a pouca importância dada ao problema do lixo e à necessidade de treinamento e formação de mão de obra para operar os novos equipamentos. Conde prometeu concluir as obras do programa até setembro de 2006.