Título: DESIGUALDADE NA BERLINDA
Autor:
Fonte: O Globo, 28/02/2005, Economia, p. 13

Adesigualdade entre os mais pobres e mais ricos no mercado de trabalho aumentou entre 2001 e 2003. A constatação de estudo inédito feito pelo professor da Unicamp Marcio Pochmann abre uma polêmica numa questão que parecia consensual. Até agora, os indicadores mostravam uma queda na desigualdade de renda no país, não da maneira desejada, já que todos perderam e os ricos tiveram um prejuízo maior. Mas, nas contas do economista, que avaliou somente o comportamento da renda dos trabalhadores, a diferença entre os ganhos dos 10% mais ricos contra os 20% mais pobres subiu de 25,9 vezes em 2000 para 29,52 em 2003:

¿ Analisando apenas as pontas da pirâmide, a desigualdade se acirrou nesse período. No pior desempenho desde o auge do processo hiperinflacionário, entre 1987/1989 ¿ diz o economista.

Outros cálculos de desigualdade, como o Índice de Gini e a diferença entre os rendimentos dos trabalhadores 10% mais ricos e os 40% mais pobres indicaram um país menos desigual em 2003, mesmo com a estagnação da economia, o aumento do desemprego e a perda da renda do trabalhador, que alcançou 7,5%, a maior queda desde 1997. O economista explica sua conclusão contrária às estatísticas apresentadas até agora:

¿ Essas medidas se concentraram mais nos rendimentos do meio da pirâmide, onde a perda não foi tão grande. Quando analisamos apenas as pontas, a situação se agrava.

Nos 20 anos em que o economista se debruçou para analisar o comportamento da desigualdade, o período de 2001 a 2003 foi o segundo pior no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, que reúne todas as riquezas produzidas no país durante o ano). A economia nesse intervalo cresceu só 1,2%. Esse desempenho só não pior ao observado entre 1990 e 1992, anos em que o Brasil conviveu com o confisco do início do governo Collor, seguido de renegociação da dívida externa. O rendimento real refletiu o desempenho pífio do PIB, caindo 3,6% de 2001 a 2003, a segunda maior queda do período.

¿ Durante os planos de combate à inflação (Cruzado, em 1989, e Real, em 1994) houve a melhor resposta na renda do trabalho. Em 1994, a melhoria no rendimento rebateu na redução da desigualdade. Entre 1993 e 1996, a distância caiu 17,3%. Só perdendo para a recessão do governo Collor, quando os mais ricos perderam mais ¿ diz Pochmann.

Segundo o estudo, o abismo histórico entre ricos e pobres vinha em queda neste indicador desde 1990 até 1999. Estacionou em 2000 e começou a subir em 2001. E a recuperação da economia em 2004 ¿ espera-se uma expansão de 5% ¿ não conseguiu se refletir nos indicadores de desigualdade adotados pelo economista. Pochmann usou os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), da Fundação Seade, na Região Metropolitana de São Paulo, e constatou uma estagnação nessa medida:

¿ A reação da economia veio, mas nove em cada dez empregos criados foram de até três salários-mínimos. Esse fato explica o pouco efeito redistributivo da recuperação econômica. Pelo menos em São Paulo.

Os estudos de Pochmann vão de encontro aos cálculos feitos por outro economista, Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). De acordo com o especialista, a desigualdade tomou outro caminho, o da descida.

¿ Mesmo usando somente a renda do trabalho, constata-se uma redução na desigualdade, já verificada quando se calculava para a totalidade da população.

Na conta dos 10% mais ricos contra os 50% mais pobres, a diferença entre os rendimentos cai de 14,91 vezes em 2001 para 13,98 vezes em 2003, segundo Neri. O Índice de Gini, taxa que, quanto mais próxima de zero, menor é a desigualdade, também caiu: de 0,5665 em 2001 para 0,559 em 2003.

¿ Posso dizer com bastante segurança que nesse período a desigualdade caiu também no mercado de trabalho ¿ diz Neri.

O economista da FGV afirma que a medida usada por Pochmann é frágil estatisticamente e que existem indicadores que mostram com mais robustez, como o próprio Índice de Gini, uma transferência de ricos para pobres. Ele cita ainda a apropriação da renda pelo 1% mais rico e pelos 5% mais ricos, que também ficou menor.

Para Pochmann, essa diferença nas conclusões dos estudos pode ser explicada pelo uso de dados diferentes. Ele afirma que seu objetivo foi exatamente observar a distribuição de renda entre as pontas da pirâmide, por isso a comparação entre os 10% mais ricos e 20% mais pobres.

Alheio à discussão numérica sobre a distância entre o seu rendimento e o dos mais ricos, Luiz Neves tenta aumentar seu salário vendendo cuscuz no Centro do Rio. O verão é uma estação desfavorável para o negócio.

¿ No inverno consigo tirar R$600, mas no verão, cai para R$300 ¿ conta Neves que há 30 anos não sabe o que é ter carteira de trabalho assinada.