Título: BÊNÇÃO SILENCIOSA
Autor:
Fonte: O Globo, 28/02/2005, O Mundo, p. 17

OPapa João Paulo II surpreendeu ontem ao aparecer na janela de seu quarto no 10º andar do hospital Gemelli, em Roma, acenando e abençoando silenciosamente os fiéis. Esta foi a primeira vez que ele foi visto desde sua internação na quinta-feira e sua aparição ajudou a tranqüilizar católicos de todo o mundo, temerosos por sua saúde.

Naquele momento, no Vaticano, o arcebispo argentino Leonardo Sandri, subsecretário de Estado da Santa Sé, encerrava a cerimônia do Angelus, que, pela primeira vez em 26 anos, não foi presidida por João Paulo II.

João Paulo II pede que rezem por ele

Sentado numa cadeira de rodas e ainda aparentando fragilidade, o Papa fez o sinal da cruz duas vezes, abençoando a multidão que se concentrava diante do hospital. Embora não pudesse falar, ele acenou para o povo e apontou para a garganta, onde os médicos inseriram um tubo durante uma traqueostomia realizada quinta-feira, para aliviar sua crise respiratória.

Foram apenas dois minutos, mas sua presença emocionou os fiéis. Algumas pessoas choraram ao ver o Papa.

¿ Vi quando levantou a mão. Eu tinha fé. Vinha rezando para ele aparecer. O mundo ainda precisa deste Papa. Espero que possamos vê-lo muito mais no futuro ¿ disse a italiana Laura Tosti, com lágrimas nos olhos.

¿ Eu vi a mão do Papa ¿ comemorava a adolescente Martina Sciullo, enquanto outros aplaudiam.

O Pontífice não apareceu até Sandri ter terminado a cerimônia do Angelus, numa decisão que parece ter sido tomada para diferenciar os dois atos. Numa mensagem lida pelo arcebispo, João Paulo II agradeceu: ¿Eu estou ao lado daqueles que se reúnem na Praça de São Pedro. Agradeço com afeição e me sinto perto de vocês. (...) Peço que continuem a me acompanhar, especialmente com suas orações.¿

A mensagem enfatizava a importância do sofrimento durante a Quaresma: ¿Com esta mensagem espero confortar e dar esperança a todos, especialmente aqueles que atravessam momentos difíceis, que sofrem de corpo e alma¿. Depois, Sandri disse que o Papa oferecia suas orações e seu sofrimento ao mundo e abençoou a multidão, ressaltando que o fazia ¿em nome do Santo Padre¿. Os fiéis, no entanto, não pareciam convencidos.

¿ O Papa mostra que uma pessoa pode se comunicar pelo coração e por seu sofrimento, e não apenas pela fala. Cristo disse mais preso à cruz do que em qualquer outro momento ¿ disse a italiana Maria Grazia Barbero.

A cerimônia do Angelus acontece onde quer que o Papa esteja, ao meio-dia de domingo. Sua presença à janela demonstra o esforço de João Paulo II em manter seu encontro tradicional com os fiéis, mesmo sem celebrar a cerimônia. Em 1981, após ser baleado numa tentativa de assassinato, ele transmitiu a bênção pelo rádio.

Quando ele foi internado pela segunda vez este mês, muitos temeram que um dos mais ativos pontificados da História estivesse chegando ao fim. Mesmo com a melhora da crise respiratória, especialistas alertam que o risco de uma infecção secundária é alto. Mas o Vaticano tem tentado tranqüilizar os católicos. Ontem, a imprensa italiana informou que o Papa já se alimentava quase normalmente e que seus médicos estavam otimistas.

Os médicos ainda não decidiram por quanto tempo ele deverá permanecer com o tubo e também não se sabe quando poderá falar de novo. Aos 84 anos, a sua fala já vinha sendo afetada pelo mal de Parkinson, e nos últimos três anos ele vem tendo problemas para completar discursos, além de se cansar rapidamente em aparições públicas.