Título: TESTE NO URUGUAI
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Fonte: O Globo, 02/03/2005, Opinião, p. 6

Tabaré Vázquez acaba de assumir o poder como o primeiro presidente de esquerda da história do Uruguai. Anos atrás, um fato político dessa natureza teria sido uma revolução de conseqüências imprevisíveis para a vida continental, mas os tempos mudaram e, longe de subverterem a ordem, os uruguaios estão apenas seguindo uma tendência regional.

Vázquez, ex-prefeito de Montevidéu, é o mais recente governante latino-americano que chega ao poder pregando a inclusão social e prometendo aliviar o fardo dos mais pobres e distanciar-se do conjunto de políticas econômicas conhecido localmente como neoliberalismo. Ele agora faz parte de um grupo um tanto heterogêneo, que inclui desde extremistas como Hugo Chávez, da Venezuela, a moderados de centro-esquerda, como Néstor Kirschner, da Argentina, e Luiz Inácio Lula da Silva, com quem costuma ser comparado e que poderia lhe servir de modelo.

A façanha verdadeiramente revolucionária de Vázquez foi romper um círculo vicioso de 170 anos: o firme controle da vida política uruguaia por blancos e colorados, que se revezavam no poder como se obedecessem a um ritual eterno. À frente de uma ampla coligação de socialistas, comunistas e ex-guerrilheiros tupamaros, ele venceu a disputa para substituir Jaime Batlle. Mas não custa lembrar ao novo mandatário que sua vitória foi facilitada pela temperança do discurso, que lhe permitiu afastar antigos temores do eleitorado e conquistar a confiança da opinião pública internacional ¿ e de parceiros e investidores potenciais.

Um dos efeitos do novo alinhamento político de Uruguai, Brasil e Argentina será fortalecer o Mercosul, com óbvias vantagens para o comércio regional. Internamente, Vázquez apressará a recuperação econômica ¿ um em cada três uruguaios vive abaixo da linha de pobreza ¿ se levar em conta a lição preciosa da esquerda européia, de respeito aos limites institucionais. E seguir à risca o exemplo geograficamente mais próximo do governo Lula, que abraçou o pluralismo, evitou a tentação da heterodoxia econômica e está adquirindo a duras penas a consciência de que uma coisa é fazer oposição e outra, muito diferente, governar.