Título: `O PSDB ESTÁ TENTANDO CRIAR INSTABILIDADE¿
Autor:
Fonte: O Globo, 02/03/2005, O País, p. 8

¿Nem nos piores momentos o PT fez o que o PSDB está fazendo com Lula¿. A afirmação é do chefe da Casa Civil, José Dirceu, um especialista em PT, escolado pelas dores ¿ e também prazeres ¿ de ser governo. Ele diz que o PSDB está radicalizando e desrespeitando a instituição republicana. Mas que não está preocupado e recusa-se a embarcar numa crise que chama de artificial. As provas de sua tranqüilidade? Dormiu à tarde no domingo, antes de embarcar para a viagem de quatro dias aos Estados Unidos, e agora está lendo tudo o que acha sobre Condoleezza Rice, preparando-se para um futuro encontro com a nova secretária de Estado americana. ¿Quero entender a cabeça dela¿, diz. Nesta entrevista, na casa do chefe da missão do Brasil na ONU, embaixador Ronaldo Sardenberg, ele analisa a derrota do PT na eleição da Câmara, rebate as acusações de ineficiência do PT, promete uma revolução na Previdência e diz que a reforma ministerial sai até a Semana Santa. Comendo pão de queijo com café, enquanto a neve caía lá fora, ri ao ser perguntado se o poder desgasta ou rejuvenesce. ¿Você acha que eu estou desgastado?¿, devolve a pergunta, considerando-se rejuvenescido.

Juntando a tempestade criada com a declaração do presidente Lula sobre corrupção e a derrota do PT para a presidência da Câmara, fica caracterizada uma antecipação da campanha eleitoral?

JOSÉ DIRCEU: Não vejo ligação de uma coisa com a outra. Tirando o PFL, nenhum partido se associou ao PSDB para atacar o presidente. É uma tentativa de criar instabilidade, só mostra o nível de radicalização do PSDB. Nem nos piores momentos o PT fez o que o PSDB está fazendo com Lula.

O PT pediu 21 vezes o impeachment de Fernando Henrique...

DIRCEU: Mas nunca chamou Fernando Henrique de criminoso. Nunca falou o que estão falando de Lula, eles não têm respeito pela instituição republicana. Como não tiveram espírito republicano na votação da Mesa da Câmara. Nem nos piores momentos o PT fez fez o que o PSDB está fazendo com Lula.

E como o senhor vê a atuação de Fernando Henrique?

DIRCEU: Não vou nem comentar. Ele não é deputado, não é senador, não é presidente do PSDB. É ex-presidente da República. A História vai julgar, ele tem todo o direito de fazer o comentário que julgar adequado mas o que o PSDB está fazendo considero um erro gravíssimo.

Está claro que o PSDB quer dizer que Lula não tem condições de governar. O senhor acredita que em 2006 o eleitorado não ficará com essa versão de ineficiência do governo?

DIRCEU: O governo não é ineficiente, a gestão e a eficiência do governo aumentam a cada mês. Comparado com o governo Fernando Henrique, a máquina administrativa funciona melhor na nossa mão. Eles não reformaram a máquina como nós; pelo contrário, sucatearam. A infra-estrutura que temos hoje é conseqüência dos erros que eles cometeram nas privatizações. Não é pouca coisa dobrar a dívida interna do país em oito anos, sabemos as restrições que o país tem hoje por causa disso. É algo muito grave.

O senhor acha que a imagem do PT como partido de quadros eficientes, que tinha um projeto para o país, subsistiu ao PT no poder?

DIRCEU: Sim. O PT deu governabilidade ao país, equacionou o problema da crise econômica, retomou o crescimento e a criação de empregos. Mesmo com uma política austera do ponto de vista monetário e fiscal, ainda fez avançar os programas sociais. E isso conta, não é a avaliação de um ou outro dirigente. O problema e, vamos avançar nisso , é criar uma burocracia. O país tem de pensar em criar nos próximos anos uma burocracia como as do Itamaraty, das Forças Armadas, do Ministério Público, da Fazenda, da Casa Civil. É preciso estender isso para todo o governo.

O PT perder a presidência da Câmara é uma situação séria?

DIRCEU: Não. O PP vota com o governo há dois anos, o presidente tinha convidado o PP para participar do governo no fim de 2004 e o partido indicou o deputado Pedro Henry. O governo tem apoio de PT, PTB, PL, PSB e PCdoB. Os deputados do PDT têm diálogo conosco. Não vejo dificuldade para formar maioria. O PT perdeu a presidência da Câmara e a participação na Mesa, isso sim é grave. Mas que traga outra realidade para a Câmara, isso não. O governo tem maioria para aprovar o que está na agenda: PEC paralela, reforma tributária, ICMs, reforma política, tudo interessa aos governadores e está na agenda.

E a lei de biossegurança? DIRCEU: É até mais fácil aprovar agora. No caso das células-tronco, não vejo a posição de Severino prevalecendo. Esta questão já foi enfrentada, o projeto está cercado de preliminares, exige consulta à família, atendimento religioso. Com tudo isso vai garantir a pesquisa. Não tem risco. Depois, a reforma política é uma questão que permeia todos os partidos, PSDB e PFL estão empenhadíssimos. Temos de avançar na reforma política, até para evitar o que ocorreu na Câmara.

Como o senhor analisa a derrota na Câmara?

DIRCEU: Aconteceu uma insatisfação de setores de diferentes partidos na relação com o governo, que se expressou na derrota do candidato do PT. É também uma questão da correlação de forças na Câmara. Isso não é problema para o país...

E reforma ministerial? Continua a pressão para o senhor assumir a coordenação política?

DIRCEU: Não vou, isso já passou na minha vida. Não dá para fazer as duas coisas e não vou largar a coordenação do governo, a não ser que o presidente peça. Não dá para culpar Aldo pelo que aconteceu na Câmara. O PT cria um monte de problema e depois quer culpar o Aldo. As emendas que não foram liberadas, a reforma ministerial não saiu... O PP era para ter ministério em outubro, não tem até agora. Tem um problema na articulação política: precisamos saber o que queremos nos próximos 24 meses, quais as nossas prioridades.

E quando será a reforma?

DIRCEU: Nos próximos 15 dias, antes da Semana Santa. Há problemas de governo, coisas da base política e outras mais estratégicas que precisam de solução. A Previdência, por exemplo, precisa sanear, pegar agora e resolver em dois anos.

Na palestra aos empresários, o senhor falou em primeira reforma da Previdência. Vem outra aí?

DIRCEU: Precisamos de uma grande reforma na gestão da Previdência. Temos, por exemplo, que acabar com o desconto em folha para a Previdência, que desestimula o emprego. O pagamento das empresas tem de ser pelo faturamento. Mas essa substituição de fonte deve ser lenta e gradual. O ideal é que já tivéssemos tirado da folha a contribuição de quem ganha salário-mínimo. Todo mundo que paga mínimo deixa de pagar Previdência, mas tem que buscar essa receita em outro lugar. Só que a discussão do imposto de prestadores de serviços poluiu tudo, agora tem de esperar.

Acusam o governo de estar contratando muita gente. E não na inteligência, mas na base.

DIRCEU: São contratações na inteligência. Não há empreguismo. O número de contratações é menor do que em qualquer época do governo passado.

O senhor disse que vai atacar o desperdício e a corrupção. Tem uma estimativa de quanto é isso?

DIRCEU: Se pensar que pode haver fraude ou desorganização equivalente a 10% do que se paga na Previdência, isso dá R$15 bilhões. Se for 5%, são R$7,5 bilhões, o que equivale ao que vamos investir em portos, ferrovias e rodovias. Tem muito o que ganhar na eficiência. Os principais problemas do governo hoje são segurança, saúde e estradas. Mas os ministros da área de segurança e saúde são bons.

É verdade que o Rio terá mais espaço na agenda do governo?

DIRCEU: Temos dado todo apoio: na área de inteligência, melhorado a eficiência nos aeroportos, botado o Exército sempre que possível, sempre que foi pedido. Temos trabalhado com o governo do Rio, apesar dos problemas. O que precisa fazer é um programa de saneamento e habitação para a Baixada, Bolsa Família, um programa de educação para jovens.

Por que o Orçamento foi cortado outra vez?

DIRCEU: Não foi cortado. O Orçamento que o governo mandou ao Congresso vai ser realizado. A Câmara acrescentou emendas parlamentares de quase US$8 bilhões. O governo tem de ser responsável. Não cortamos nada, cortamos de um ministério para dar mais para outro.

O governo tem uma política e uma equipe econômica muito decidida e poderosa. O mesmo não acontece na área social...

DIRCEU: Não, não é pouco ter criado o Ministério de Desenvolvimento Social, unificado o Bolsa Família, criado o Fome Zero. Mas não é um programa para um ou dois anos, é para cinco ou dez. O governo Fernando Henrique assentou os sem-terra, foi importante, mas agora não posso assentar mais 350 mil, tenho de levar luz, água, dar crédito. No fim do ano todos os assentamentos terão assistência técnica. Isso é investimento, precisa de dinheiro.

Como está a sua imagem como ministro?

DIRCEU: De boa para razoável mas a questão do Waldomiro encaixou. Tirando os que dizem que não sabem nada do assunto, 60% dizem ou que eu sabia ou que sou responsável. E eu nem sabia nem sou responsável.