Título: O maior salto em uma década
Autor:
Fonte: O Globo, 02/03/2005, Economia, p. 25

Com o crescimento de 5,2% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de todas as riquezas produzidas no país), a economia brasileira em 2004 colecionou recordes. A expansão, anunciada ontem pelo IBGE, é a maior desde 1994, quando o Plano Real foi lançado, fazendo o resultado do segundo ano do governo Lula encostar na maior taxa registrada na gestão Fernando Henrique Cardoso, ainda como ministro da Fazenda. A alta foi puxada principalmente pelo mercado interno, que respondeu por 80% do crescimento no ano passado, comportamento não observado desde 2000.

¿ Esse foi o fato mais importante nas contas nacionais: a mudança de composição do PIB, puxada agora pela demanda interna, que respondeu por 4,1 ponto percentual dos 5,2% da alta do PIB. Nos anos anteriores, a economia foi sustentado pela demanda externa ¿ disse Rebeca Palis, gerente de Contas Nacionais Trimestrais do IBGE.

Essa mudança aparece nos números do consumo das famílias. Em queda há dois anos, a reação dessa fatia da economia brasileira veio com força. A taxa de 4,3% é a maior desde 1995 e reflete o aumento do crédito e a melhoria do mercado de trabalho.

¿ Só o crédito para pessoa física aumentou 22,2%, enquanto a massa de rendimentos subiu 1,5%. Esses dois fatores impulsionaram o consumo das famílias ¿ disse Rebeca.

Pelas contas do economista do BNDES Francisco Eduardo Pires de Souza, 45% da expansão da economia em 2004 são explicados por esse componente das contas nacionais.

¿ Primeiro esse reação veio amparada pelo crédito. No fim do ano, o emprego e renda começaram a se recuperar rebatendo na demanda doméstica.

Investimento cresce 10,9% no ano

A demanda interna aquecida se refletiu também no investimento para aumentar a capacidade produtiva do país. Em 2004, o salto foi de 10,9%, uma taxa que não se via desde 1994 e depois de dois anos seguidos de recuo nesse indicador. Somente a produção de máquinas e equipamentos destinados para o investimento cresceu 19,3%. A expansão da construção civil, que responde por cerca de 60% do setor, foi de 5,9%. O economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Armando Castelar, contudo, vê com cautela esses números recordes trazidos pelas contas nacionais:

¿ No investimento, voltamos aos mesmos níveis de 2001. Na construção civil, aos de 2000. Ficamos mais de dez anos investindo pouco no aumento da capacidade produtiva ¿ alerta o economista.

O economista Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ, acrescenta mais um ingrediente a essa análise: em 2003, a taxa de investimento (o percentual do PIB destinado ao aumento da capacidade) havia atingido seu menor patamar da história recente no Brasil.

¿ O investimento chegou a ficar em apenas 17,8% do PIB em 2003. E os preços das commodities, que sustentaram nossas exportações, já estão em queda. O desempenho da economia brasileira em 2004 foi espúrio e instável e de forma alguma estamos numa trajetória sustentada de crescimento.

Pires de Souza, do BNDES, estima que a taxa de investimento chegue a 19,8% em 2004. Taxa ligeiramente superior à média dos últimos dez anos, que foi de 19,4%. Em razão dessas estimativas, Pires de Souza, ao contrário do economista da UFRJ, acredita que o país está no caminho do desenvolvimento sustentado:

¿ Houve uma surpresa boa com o resultado do investimento. Boa parte da produção de máquinas e equipamentos foi absorvida pelo mercado interno.

Indústria tem o melhor desempenho

Mas, no último trimestre do ano, os investimentos sofreram uma retração de 3,9% frente ao terceiro trimestre, na série com ajuste sazonal. Essa queda foi muito influenciada por uma questão meramente contábil: o IBGE considerou como exportação o aluguel de duas plataformas da Petrobras a uma subsidiária no exterior. Essas plataformas, apesar de estarem produzindo no Brasil, deixaram de ser consideradas como investimento em máquinas e equipamentos.

Rebeca, do IBGE, tem mais uma explicação. Ela acredita que as expectativas de alta de juros no terceiro trimestre provocou uma antecipação no investimento. Isso porque, no penúltimo trimestre do ano, o investimento crescera 6,8%. Na comparação com o mesmo período de 2003, a alta fora de 19,2%:

¿ Os investimentos se concentraram nesse período. O que explica um pouco essa queda no último trimestre ¿ disse Rebeca.

Não só o investimento recuou. O PIB apresentou o menor resultado do ano no quarto trimestre. A alta frente ao três meses anteriores foi de apenas 0,4%, contra 1,1% do terceiro trimestre, já indicando o efeito da alta de juros em 2004.

E as exportações, setor que segurou a economia em 2001 e 2002, continuaram com força em 2004. A alta foi de 18%, o dobro da expansão de 2003. A importação também reagiu, crescendo 14,3%, depois de queda de 1,7% no ano anterior.

Por setores de produção, a indústria, com alta de 6,2% no ano, liderou o crescimento, ocupando a posição da agropecuária, que apresentou o segundo melhor resultado: 5,3%.

¿ Em linha com outras pesquisas, tanto a indústria como o comércio (alta de 7,9%) reagiram. A taxa negativa ficou com a extrativa-mineral, com a queda de 2,9% na produção de petróleo e gás.