Título: Sinais do PIB
Autor:
Fonte: O Globo, 02/03/2005, Panorama Econômico, p. 26
O PIB cresceu o que se previa, o problema são os detalhes. O primeiro detalhe é que, em cada trimestre do ano passado, o país cresceu menos do que no trimestre anterior. E os dados de investimento caíram em dezembro. Mas o fato é que o país cresceu no ano passado numa taxa maior do que a dos últimos dez anos e que o consumo das famílias aumenta há cinco trimestres seguidos.
Contra o mesmo trimestre do ano anterior, o país cresceu 4,9% no último trimestre de 2004. Mas o detalhe é que cresceu apenas 0,4% contra o trimestre anterior. O ano passado, quando se olha o crescimento de cada trimestre contra o anterior o resultado é uma escadinha: 1,8%, 1,5%, 1,1% e 0,4%.
Mas o que assustou todo mundo foi a queda abrupta do investimento. No terceiro trimestre, o investimento havia sido 6,8% maior, muito mais que os 3,4% no segundo trimestre. Mas, nos últimos três meses do ano, o investimento caiu 3,9%.
O Credit Suisse First Boston divulgou análise explicando que parte da queda é devido à metodologia de registro das contas, que incluiu as duas plataformas da Petrobras como exportação e não como investimento. ¿Caso não tivessem sido excluídas da FBKF, os investimentos provavelmente não teriam caído.¿
Mesmo com esse ponto de dúvida, há muito o que comemorar num ano de bom crescimento.
Ontem, a OCDE divulgou um documento sobre o Brasil em que se penitenciou por um erro cometido em 2001: num outro texto sobre o país, a organização foi cética com relação ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
¿ Este governo adotou políticas econômicas que permitiram que o país tomasse um bom rumo; 2004 acabou sendo um ano bastante positivo depois de vários anos de crescimento fraco ¿ elogiou, num seminário feito pela FGV, o vice-diretor da OCDE, Andrew Dean.
Ele recomendou, entretanto, que o Brasil consolide a melhoria do ajuste fiscal, melhore a qualidade do investimento, assim como melhore a eficiência dos investimentos no social.
O professor Alexandre Scheinkman lembrou que gasto social tem que ter direção certa:
¿ Gasto educacional no ensino básico beneficia os mais pobres, gasto com universidade beneficia a classe média ou quem está muito próximo.
Fábio Giambiagi acha que o governo foi impecável em 2003 nos gastos públicos, mas em 2004 aumentou muito as despesas. Os gastos com pessoal aumentaram 5,4%, mas o que aumentou mesmo foi o OCC, onde estão as despesas de custeio da máquina: aumentou 18% real.
O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, rebateu as críticas, lembrando que, quando o crescimento do ano passado elevou a arrecadação, o governo decidiu elevar o superávit primário:
¿ O governo poupou um pouco e investiu um pouco mais, como tinha mesmo que fazer.
No debate de ontem da OCDE, foram revisitados alguns dos velhos problemas que vêm sendo levantados pelos economistas:
A falta de investimento de longo prazo que garanta que este não será apenas mais um curto período bom como foram os de 94-97 e 2000;
A falta de regulação clara para os investimentos em infra-estrutura;
O erro nas escolhas com o dinheiro público;
O Brasil, disse Dean, é um dos países que gastam mais com a previdência. Quando se compara isso com a idade média da população brasileira, ainda muito jovem, o dado fica contraditório;
Scheinkman criticou de novo a taxa de juros reais.
¿ Duvido, Joaquim, que você consiga lançar títulos de longo prazo quando pode-se aplicar no overnight numa taxa de juros reais de 12%.
O secretário do Tesouro repetiu a tese de que os juros reais estão em queda quando se compara com uma série mais longa que vem desde o primeiro ano do governo Fernando Henrique.
Fábio Giambiagi apresentou a conta do custo da dívida, descontando-se o custo da desvalorização cambial, e mostrou que ela até subiu no ano passado.
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, rebateu que a conta não pode ser feita assim, desconsiderando que o peso do câmbio foi alto no governo passado porque a dívida era, em grande parte, indexada ao dólar, o que mudou no atual governo:
¿ Foi opção de política econômica reduzir a exposição da dívida ao câmbio.
Números e interpretações à parte, o fato é que o país cresceu no ano passado, vai crescer este ano, mas há alguns detalhes que preocupam: o investimento caiu, o crescimento está em desaceleração, a inflação ainda não caiu o suficiente apesar de o dólar ter caído 18% nos últimos meses, os juros são os maiores do mundo, a carga tributária é alta e o governo gasta muito e mal.
Giambiagi até lembrou que ninguém deve se impressionar com o corte de gastos. Falou que o orçamento vai para o Congresso, os deputados e senadores aumentam as despesas, o governo corta menos do que foi acrescentado:
¿ Aí os jornalistas dizem que o governo cortou, quando, na verdade, foi corte de vento.
O número do PIB é bom, de fato, mas um olhar mais amplo sobre a economia impede que se comemore.
É preciso, como repetiram os economistas que falaram no seminário da OCDE, garantir o crescimento sustentado. Ele não está, nem de longe, garantido.