Título: `NO HAITI HÁ UMA FORÇA DE PAZ, NÃO DE OCUPAÇÃO¿
Autor:
Fonte: O Globo, 02/03/2005, O Mundo, p. 36

Em meio a problemas como falta de soldados (o número ainda não é o prometido), ações criminosas e falta de apoio humanitário internacional, o general Augusto Heleno Pereira segue esperançoso em relação à missão de paz da ONU no Haiti, por ele comandada. Ele chegou ao Rio ontem para receber hoje o prêmio Faz Diferença, do GLOBO.

Como foi a preparação para a operação da ONU no Haiti?

GENERAL HELENO: Tinha consciência de que não seria fácil. Na época do agravamento da crise, uma força multinacional de 3.700 membros foi às pressas para lá. Nessa época, via tudo pela TV sem ter idéia de que iria para lá. Quando fui avisado de que seria sabatinado na ONU, estava a duas semanas de ir para lá. Em 25 de junho, assumi o comando e fiquei com apenas 2 mil homens. Como controlar o país? Estava muito preocupado, mas não podia abrir isso publicamente. São 8 milhões de habitantes.

Houve um agravamento da violência nos últimos meses?

GENERAL HELENO: No início, os grupos estavam desorganizados pela entrada de tropas e os partidários do presidente Aristide assustados com a perda do poder. A partir do momento em que se organizaram, passamos a ter de enfrentá-las. Em outubro a situação se agravou. Em 14 de dezembro fizemos uma operação numa favela que estava paralisada pelas gangues. Houve melhora. No carnaval, quatro policiais foram executados. A polícia, por querer agir a curto prazo, costuma ir a operações só e depois nos chamar. Sexta-feira, houve seis mortos numa ação da polícia. Esta semana, houve uma manifestação pacífica em Bel Air. A polícia alegou que não fora legalizada e atirou, matando três pessoas.

Há críticos que comparam a força de paz da ONU no Haiti à ocupação do Iraque. O senhor concorda?

GENERAL HELENO: É completamente diferente. No Iraque há uma força de ocupação com uma guerra declarada. Tudo que se imagina numa guerra é permitido, respeitando a Convenção de Genebra. No Haiti há uma força de paz, não de ocupação. Não vai acontecer violência cega lá. Sou capaz de utilizar a força, tenho preparo para isso, mas, diante da situação do país e principalmente do que imagino ser a pretensão da ONU, recuso-me a utilizar a força de forma indiscriminada e contra inocentes. Enquanto for o comandante da força isso não vai acontecer. Tirem-me do comando, mas não esperem de mim uma atitude destas. Outros críticos alegam que no Brasil há problemas semelhantes aos do Haiti. Hoje pensei num exemplo do prêmio Faz Diferença. O que a senhora (Ione Machado) escolhida tem em paralelo com o que o Brasil faz no Haiti. Ela é uma pessoa pobre que, quando o marido arranjou um emprego, achou que alguém precisava mais do que ela e abriu mão de uma cesta básica. Não somos um país rico. Mas apesar de tudo, temos mais que o Haiti. Podemos ajudar alguém que está bem pior que nós.