Título: ASSAD: SÍRIA SE RETIRARÁ DO LÍBANO `EM MESES¿
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Fonte: O Globo, 02/03/2005, O Mundo, p. 37

Quase três décadas após mandar suas tropas pela fronteira e intervir na guerra civil no país vizinho, de onde não saiu mais, a Síria finalmente vai pôr fim à ocupação do Líbano, iniciada em 1976. O anúncio não oficial foi feito pelo presidente sírio, Bashar Assad, numa entrevista à revista americana ¿Time¿ divulgada ontem, um dia após a queda do governo pró-Damasco em Beirute, no rastro de manifestações diárias de milhares de pessoas exigindo a retirada das forças de ocupação.

O ditador sírio não quis se comprometer estabelecendo uma data ou mesmo um mês certo para o retorno dos 14 mil soldados que Damasco mantém no Líbano, mas foi taxativo ao responder à pergunta sobre quando retiraria completamente as tropas: ¿Deve ser em breve, talvez nos próximos meses. Não depois disso¿, disse ele, segundo a edição eletrônica da ¿Time¿. Assad ressaltou que a questão não é política, mas técnica, pois envolve a repatriação de milhares de militares, e afirmou que a data certa será discutida com o enviado da ONU, Terje Roed-Larsen, que visitará Damasco este mês.

Senador dos EUA diz que retirada deve ser acelerada

A Síria vem sendo submetida a fortes pressões internacionais lideradas pelos Estados Unidos e pela França, além de enfrentar uma resoluta oposição nas ruas de Beirute desde o assassinato, há duas semanas, do ex-premier libanês Rafik Hariri, no qual muitos libaneses vêem as digitais de Damasco.

O prazo estabelecido por Assad, no entanto, não teve uma boa acolhida por parte de seus críticos. O influente senador republicano Richard Lugar, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA, disse que uma retirada ¿dentro de alguns meses¿ pode não ser aceitável para o resto do mundo.

¿ A comunidade internacional vai insistir numa aceleração desse prazo ¿ enfatizou ele.

Em Londres, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, renovou a pressão para a saída das forças sírias do território libanês.

¿ Os eventos estão indo numa direção muito importante ¿ observou ela, ao lado do chanceler francês, Michel Barnier. ¿ O povo libanês está começando a expressar sua aspiração pela democracia. Isto é algo que tem todo o nosso apoio.

Condoleezza voltou a advertir o governo sírio por seu apoio a grupos extremistas palestinos. Segundo ela, há provas de que a Jihad Islâmica, agindo de território sírio, esteve envolvida no planejamento do atentado de sexta-feira que matou cinco pessoas em Tel Aviv.

O chanceler francês completou a advertência à Síria para que saia do Líbano.

¿ Não pode haver desculpas para a sua não aplicação ¿ disse ele, referindo-se à Resolução 1.559 do Conselho de Segurança da ONU, que determinou a retirada síria do Líbano.

Ontem, o presidente do Líbano, Émile Lahoud, tentou em vão encontrar alguém para chefiar um governo interino até as eleições parlamentares de maio, após o premier pró-Síria Omar Karami renunciar diante das pressões recebidas. Segundo fontes políticas, ele deu 48 horas de prazo para os partidos encontrarem um nome, mas algumas pessoas já sondadas declinaram.

Muitos membros da oposição, como o deputado Ghassan Mukheiber, querem que o novo governo se ocupe da investigação sobre o assassinato de Hariri. Por acordos políticos vigentes há décadas, o posto de premier no Líbano é sempre dado a um sunita, enquanto a Presidência cabe a um cristão, e o comando do Parlamento fica nas mãos de um xiita.

Por sua vez, centenas de manifestantes voltaram ontem à Praça dos Mártires, no centro de Beirute, para continuar os protestos contra a ocupação do país por tropas sírias.

¿ Nossas esperanças em relação à retirada síria estão aumentando depois da renúncia do governo. Isso nos encoraja a ficar aqui e continuar nosso protesto ¿ disse o estudante de ciência política Patrick Risha.

Alguns jornais de ontem ressaltaram o papel dos manifestantes na queda do governo. ¿Poder popular derruba Gabinete de Karami¿, estampou o ¿Daily Star¿ em sua manchete.