Título: Aquela voz rouca
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 03/03/2005, Panorama Politico, p. 2

Haverá novamente bezerros estranhando a vaca na Câmara, se terminar em pastel de vento, como tudo indica, o aumento salarial que Severino prometeu aos deputados. A verdade é que em poucos dias o novo presidente da Câmara caiu na real, entendeu que não manda sozinho no curral e começou a ouvir a chamada voz rouca das ruas.

Os líderes mais atentos a estes rumores externos jogaram o primeiro balde de água fria sobre Severino na reunião de anteontem à noite em sua casa, onde a maioria declarou-se contra o aumento: o representante do PSDB, Eduardo Paes, o do PT, Paulo Rocha, o do PSB, Renato Casagrande, o do PFL, Rodrigo Maia e o do PCdoB, Renildo Calheiros. Imediatamente Severino tentou pular neste bote salva-vidas:

- Então direi aos deputados que a matéria não será votada porque vocês são contra ....

- Alto lá - disse o líder do Prona, o deputado Enéas, seguido dos outros.

Quem prometeu o aumento foi Severino, e quem decide sobre subsídios é a Mesa, lembraram todos. Não iriam servir de bodes expiatórios junto ao baixo clero.

Embora os partidos mencionados tenham sido contra o aumento, tendo alguns até fechado questão, como PSDB e PT, nenhum deles, entretanto, foi contra o projeto que corrige o salário de ministros do STF de R$19 mil para R$21 mil, no qual os deputados pegariam carona. E este projeto é que muito incomoda os governadores, pois aumenta o teto salarial, como já mostrou aqui o governador de Minas, Aécio Neves, sem oferecer regras para sua aplicação nos estados, onde não faltam desembargadores ganhando mais que ministros do Supremo.

O receio de que este projeto também vá a breca é que levou o presidente do STF, ministro Nelson Jobim, a articular-se com Severino para aprovar o aumento dos deputados por ato da Mesa. Com isso, o reajuste do salário dos ministros ficaria a salvo. Mas também esta manobra deve naufragar por falta de apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros, também atento, como os altos clérigos da Câmara, à voz das ruas. Ela começou a ser ouvida em manifestações ainda tímidas, como a de anteontem em São Paulo, e também por escrito, entupindo o correio eletrônico dos deputados.

É bom para as contas públicas e para imagem do Legislativo que o desatino seja evitado. Mas é com o sabor da derrota na boca que Severino deve decidir sobre o pedido de abertura de processo dos tucanos contra o presidente Lula.