Título: Aneel garante prêmio à ineficiência
Autor: JERSON KELMAN
Fonte: O Globo, 03/03/2005, Opinião, p. 7

Um dos apelos mais atraentes para conquistar apoio para a tese da privatização foi o de que o custo das empresas estatais era injustificado pela sua ineficiência: sorviam dinheiro público, mas prestavam mal o serviço devido ao contribuinte. A solução era livrar o Estado daqueles elefantes brancos, transferindo para a iniciativa privada o risco do negócio. A subsistência da atividade passaria pelo crivo do mercado e dependeria da sua eficiência.

O raciocínio é impecável, pois o processo de seleção natural instaurado pela livre concorrência, fundamento da iniciativa privada, não perdoa a incapacidade do empresário de superar dificuldades. Dessa lógica, o concessionário do empreendimento privatizado não escaparia. Deveria estar preparado para dar o salto de produtividade e eficiência a que, embevecidos, assistiríamos. Para o bem de todos, o Estado não teria mais o papel de empreender, mas o de regular o desempenho do setor privado que explorar o serviço público, fiscalizando o cumprimento dos contratos de concessão.

Para isso, a privatização foi coadjuvada pela novidade das agências reguladoras que prometiam orientar a estratégia de atuação para cada setor por política de Estado. Presididas por mandatários independentes e com autonomia financeira, saberiam conservar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, mantendo distância da conveniência político-partidária quando estiver em jogo a preservação do interesse público.

Para manter o equilíbrio da equação do contrato, as condições efetivas da proposta que venceu a licitação para explorar o serviço não devem ser alteradas na vigência da concessão. A tarifa dos serviços públicos deve corresponder, por um lado, ao custo do serviço acrescido da margem de lucro do concessionário e, por outro, à manutenção da relação que o seu impacto financeiro representa na economia do usuário. Para Luís Otávio de Freitas, por isso é dinâmico o conceito de "tarifa módica" previsto na Lei das Concessões.

Entretanto, as agências, ao se preocuparem mais com as finanças da empresa do que com a modicidade da tarifa, garantem "lucro predeterminado" ao concessionário, que não se motiva a dar o salto de produtividade sonhado pela privatização, comprometendo a eficiência do serviço público.

É o caso do reajuste que a Agência Nacional de Energia Elétrica, Aneel se apressou em autorizar para a concessionária de energia elétrica do Estado do Rio de Janeiro. A tarifa acumula, em três meses, quase 20% de aumento, sob a alegação de que, sem ele, a empresa não será capaz de cumprir o contrato, já que alguns de seus usuários estão inadimplentes.

Além de transferir o próprio risco do negócio para quem paga a conta, para que não fique comprometida a "qualidade dos serviços prestados", só a mais recente autorização repercute na formação do IPCA em 0,03%. Se a privatização cooptou adesões pela força do argumento de que as empresas estatais eram caras e improdutivas, monstruoso mesmo é onerar excessivamente a economia privada dos usuários para financiar a ineficiência do setor privado e, ao mesmo tempo, contribuir para o recrudescimento da espiral inflacionária.

Finalmente, acolhendo a recomendação da Procuradoria-Geral da República, que encampou a posição dos procuradores do Rio de Janeiro contra a concessão do reajuste extra da tarifa da Light de 6,13%, o ministro da Fazenda Antonio Palocci evita, além do aumento em si, o precedente que, invocado pelas diversas concessionárias para abocanhar mais reajustes, poria em risco a própria política de combate à inflação.