Título: DEPUTADOS APROVAM LEI DE BIOSSEGURANÇA
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 03/03/2005, O País, p. 8

Portadores de necessidades especiais em cadeiras de rodas aplaudiram aprovação de pesquisa com células-tronco de embriões

BRASÍLIA. Depois de um dia de intensa negociação e muita pressão de cientistas, pacientes e até de parentes do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), os deputados aprovaram ontem à noite o projeto que institui a Lei de Biossegurança. Com 352 votos a favor, 60 contra e uma abstenção, a Câmara confirmou o texto que já havia sido votado no Senado e agora vai à sanção presidencial. Numa segunda votação, os deputados mantiveram na lei a permissão para pesquisas científicas com células-tronco de embriões.

Nessa votação, 366 deputados foram a favor da permissão das experiências com células-tronco de embriões congelados há três anos. Outros 59 foram contra e três se abstiveram. O resultado foi aplaudido por portadores de necessidades especiais que, de cadeiras de rodas, acompanhavam a votação no fundo do plenário.

Outros dois temas polêmicos do projeto dependiam de duas novas votações. Estava em jogo um embate entre ruralistas e ambientalistas para decidir de quem seria a última palavra para permitir a produção e comercialização de produtos transgênicos no país.

Um destaque de votação em separado tentaria retirar o poder da CTNBio de decidir sobre a produção e comercialização de produtos transgênicos no país. O segundo destaque para votação era o que dava às decisões da CTNBio poder vinculante, ou seja, suas análises teriam que ser acatadas por todos os ministérios e órgãos ligados ao setor. Os ambientalistas, entre eles a ministra Marina Silva, são contra dar esse poder à CTNBio.

Para PT, questão de foro íntimo

Apesar do resultado folgado na primeira votação do projeto que institui a Lei de Biossegurança, a proposta que autoriza o uso de transgênicos no país e libera a pesquisa com células-tronco foi levada a votação no plenário sem consenso nem mesmo no PT. Além das discussões éticas e religiosas que a utilização científica de embriões provoca, um ponto forte de discórdia na bancada petista era o poder deliberativo que o texto dá à CTNBio.

Segundo o projeto, o órgão decidirá em última instância se autoriza ou não o plantio ou a pesquisa de determinado organismo geneticamente modificado. Atualmente, os ministérios têm poder de vetar as determinações da CTNBio. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tentou convencer o governo a não apoiar o artigo que tira esse poder dos ministérios. Em vão. Para compensar, o PT anunciou antes da sessão plenária que apresentaria um destaque suprimindo o dispositivo.

O partido também estava rachado na questão das células-tronco. A liderança do PT considerou o assunto de foro íntimo e liberou os deputados a votarem como queriam, de acordo com a religião ou convicção ética de cada um.

O deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), relator do projeto na Câmara, e o líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP) passaram o dia ontem tentando arregimentar apoio para o texto. Perondi reuniu-se com as bancadas da saúde e da agricultura, de quem conseguiu apoio total. Ele também arrebanhou todos os representantes da Igreja Universal do Reino de Deus. Os evangélicos restantes estavam divididos. Dos católicos, o apoio foi mínimo.

- Temos um terço dos religiosos. Somados com as outras bancadas que já conquistamos, acho que dá para aprovar - contabilizava o relator.

O presidente da Câmara, que costumava justificar com sua condição de católico para se opor ao uso científico de células embrionárias, mostrou maior boa vontade com o tema ontem. Ele recebeu em seu gabinete uma comitiva de parlamentares, profissionais da saúde e pacientes em cadeiras de rodas para ouvir os argumentos em prol do projeto de biossegurança.

O grupo era liderado pela fisioterapeuta e deputada estadual pernambucana Ana Cavalcanti, filha do presidente da Câmara. Ela fez um apelo emocionado pela aprovação.

- Meu pai, se Deus me colocou nesse momento como fisioterapeuta e parlamentar, receba isso como uma mensagem divina. Só volto para Recife depois de ver votada e aprovada essa lei - disse Ana.

Severino cedeu ao apelo:

- Ela é responsável por metade da minha mudança de opinião. Mas, como presidente da Câmara, não poderei deixar de aprovar um projeto como este por causa de qualquer divergência pessoal. Vai entrar hoje na pauta, nem que seja pela madrugada adentro, como fui conduzido à presidência - afirmou.

Também estiveram presentes à reunião os ministros da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, e da Agricultura, Roberto Rodrigues, a pesquisadora de genética da Universidade de São Paulo (USP) Mayana Zatz e o médico Dráuzio Varella.

- O Brasil precisa de um marco regulatório nessa área. Esperamos que os parlamentares compreendam o momento histórico que vivemos e atendam ao anseio da sociedade - disse Eduardo Campos.

Em conversa com Severino, o ministro foi mais direto:

- Nos dê o direito de ter isso votado hoje e o senhor será lembrado pelo ato de coragem.

OS PRINCIPAIS PONTOS DO PROJETO

Os principais pontos do projeto

Mudanças nas áreas de transgênicos e pesquisa

Os principais pontos de projeto de Biossegurança, votado ontem na Câmara dos Deputados, são:

ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS: Libera a pesquisa, o cultivo, o armazenamento, a venda, o consumo, a importação e a exportação dos organismos geneticamente modificados.

CONSELHO DE BIOSSEGURANÇA: Cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), ligado à Presidência da República, que será incumbido de formular e implementar políticas para o tema.

PRODUTOS TRANSGÊNICOS: Com base na opinião da Comissão Técnica de Biossegurança (CTNBio), o Conselho Nacional de Biossegurança terá poder deliberativo e decisório para decidir, em última instância, se uma pesquisa ou um plantio de produto transgênico é ou não degradante para o meio ambiente.

DIREITO DE VETO: Atualmente, os ministérios têm a prerrogativa de vetar uma decisão da CTNBio. Com a aprovação do projeto de lei, os ministérios perdem esse poder, mas têm ainda o direito de recorrer da decisão a um conselho formado por 11 ministros de estado.

PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO: Libera o uso de embriões humanos para pesquisas de células-tronco. Poderá ser utilizado apenas o material que estiver congelado há mais de três anos. Nesta fase, o embrião perde a capacidade de vingar no útero e, normalmente, é descartado pelas clínicas de reprodução.

AUTORIZAÇÃO DOS GENITORES: Antes da realização de qualquer pesquisa com embrião, é necessária a autorização dos genitores e do comitê de ética do instituto que realizará o procedimento.

VENDA PROIBIDA: O projeto proíbe a venda de embriões para pesquisa ou para quaisquer outros fins.

ENTENDA O ASSUNTO

O que são células-tronco? São as capazes de originar todos os tecidos e órgãos humanos.

Todas as células-tronco são iguais? Não. Há células-tronco embrionárias e maduras. As primeiras existem apenas nos primeiros dias de formação de um embrião. Só elas de fato podem originar todos os tecidos e órgãos humanos. As chamadas células-tronco maduras, que existem no feto e por toda a vida de uma pessoa, têm capacidade de originar outras células muito mais limitada. Além disso, são muito raras e difíceis de isolar.

Por que a pesquisa básica das células embrionárias é tão importante? Porque o conhecimento de seus mecanismos básicos é fundamental para toda pesquisa de geração de células, tecidos e órgãos em laboratório. Além disso, não se conhecem células maduras formadoras para todos os órgãos. Cientistas ainda têm muito o que aprender. Por exemplo, ainda não são bem conhecidas as substâncias que estimulam as células-tronco a se diferenciar. O processo de geração de novas células está longe de ser bem compreendido e sem isso não há como controlá-lo.

Por que essas células são consideradas promissoras? Porque acenam com a possibilidade de desenvolver tratamentos para doenças hoje incuráveis, como diabetes, numerosas forma de câncer e males neurodegenerativos, além de distrofias musculares, por exemplo. Outra aplicação é a regeneração de áreas lesionadas por acidentes e derrames, como é o caso das lesões na medula causadoras de paralisia. Terapias para cegueira e surdez também estão em estudo.

Que tipo de embriões os pesquisadores pretendem usar? Somente aqueles nos primeiros estágios de desenvolvimento, quando são aglomerados de cerca de cem células. Nessa fase, o sistema nervoso ainda não começou a se formar. No Brasil, a meta é usar embriões descartados gerados em clínicas de fertilização in vitro. Esses embriões, hoje, são jogados fora.

Que tipo de pesquisa o Brasil faz com células-tronco? Somente com células maduras, extraídas dos próprios pacientes. Há estudos promissores para tratamento de insuficiência cardíaca, infarto, mal de Chagas, derrame e diabetes.