Título: FARMÁCIAS VENDEM REMÉDIOS SEM RECEITA
Autor:
Fonte: O Globo, 03/03/2005, Rio, p. 16

Medicamentos de uso controlado são repassados ao consumidor de forma ilegal e com ágio que chega a 30%

Uma lei federal determina que um grupo de medicamentos de uso controlado seja vendido apenas mediante a apresentação de receitas. Em alguns casos, a prescrição médica deve, obrigatoriamente, ficar em poder das drogarias. A legislação, no entanto, nem sempre é respeitada. Repórteres do GLOBO percorreram farmácias da Barra da Tijuca e da Zona Sul e compraram caixas de psicotrópicos e antidepressivos sem a autorização de um médico. Os medicamentos adquiridos podem causar dependência e até morte em caso de superdosagem.

Em duas drogarias da Rede Padrão, na Avenida Armando Lombardi e no Itanhangá Center, na Barra, foram vendidas caixas de psicotrópicos por um valor superior ao da venda quando feita com apresentação da receita. A diferença chegou a quase 30% do preço habitual. Na transação, o balconista entregou um recibo cortado, apenas com o valor pago. O responsável pelas lojas, identificado apenas como Marlécio, alegou desconhecer a irregularidade.

Venda é possível devido à sobra de receitas

Na Drogaria Bem Estar, também na Barra, o atendente afirmou que conseguiria um remédio semelhante ao pedido pela repórter. Ele argumentou que a venda seria possível devido à sobra de receitas. O gerente da loja, que se identificou como Renato Henrique, alegou desconhecer a prática e afirmou só vender este tipo de medicamento mediante apresentação da autorização médica. Na filial da rede, na Avenida Rodolfo Amoedo, outra irregularidade: o farmacêutico não estava presente. A gerente Marise Vilela informou que ele tinha se ausentado para resolver um problema.

Na Zona Sul da cidade, o balconista de uma farmácia da Rede Boa Saúde aceitou vender, por telefone e sem receita, duas caixas de psicotrópicos. O gerente da loja, Emanuel Moreira, nega a transação e diz que a farmácia sequer trabalha com controlados.

- A gente compra no concorrente, mas com a receita do cliente. Não sei como o funcionário disse que poderia vender o remédio - disse.

Repórteres do GLOBO também compraram antidepressivos na Drogaria Wilson, em Ipanema. A farmácia foi uma das que forneceram o remédio, mas sem a liberação da nota fiscal. O gerente, identificado como Luís, negou a venda.

Conselho de farmácias promete mais fiscalização

Já a Drogaria Guarujá, na Rodolfo Dantas, em Copacabana, entregou o remédio junto com um recibo de controle interno. O vendedor explicou que havia sobra de receitas. Um outro cliente teria entregue um pedido médico para aquisição de três caixas de um antidepressivo e só teria levado uma.

O chefe da fiscalização do Conselho Regional de Farmácias do Rio, Paulo Oracy, disse que as farmácias podem ser autuadas e os responsáveis pela venda, processados.

- A venda de psicotrópicos e entorpecentes sem receita é caracterizada como tráfico ilícito de drogas lícitas - explicou, anunciando uma operação para investigar a ilegalidade.

O comércio ilegal também foi condenado pelo membro da Câmara Técnica de Farmacologia do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, Roberto Soares de Moura. Ele alertou para os riscos do consumo destes remédios sem o acompanhamento médico:

- Os psicotrópicos são remédios com uma série de efeitos colaterais. Não podem ser vendidos em hipótese alguma sem a receita.

LEIA TRECHOS DAS CONVERSAS

Conversa por telefone com vendedor da Drogaria Padrão do Itanhangá:

VENDEDOR: Padrão 24 horas, bom-dia, Cláudio.

O GLOBO: Oi, você pode me entregar um remédio?

VENDEDOR: Qual o telefone?

O GLOBO: (A equipe dá um número qualquer, que existia no cadastro).

VENDEDOR: Qual o remédio?

O GLOBO: Um Psiquial.

VENDEDOR: Você tem receita?

O GLOBO: Não.

VENDEDOR: Deixa eu ver lá... (Depois de um tempo). É o de 20mg?

O GLOBO: Isso, que vem com 28.

VENDEDOR: Tem sim.

O GLOBO: Sai por quanto?

VENDEDOR: R$98.

O GLOBO: E se eu arrumar a receita?

VENDEDOR: Aí, sai por menos, vou dar um desconto de 30%. Vai ficar uns R$70.

Conversa com vendedor da Drogaria Boa Saúde retornando uma ligação dos repórteres:

VENDEDOR: Sou eu aqui da farmácia.

O GLOBO: Da Boa Saúde?

VENDEDOR: É. Consegui para você.

O GLOBO: O Psiquial?

VENDEDOR: É.

O GLOBO: De 14 ou de 28?

VENDEDOR: De 28.

O GLOBO: Quanto é que custa? É sem a receita, né?

VENDEDOR: Isso. Sai por R$60,75.

O GLOBO: E se eu conseguir a receita?

VENDEDOR: Vai sair quase o mesmo preço: R$67,70.

O GLOBO: Você conseguiu uma caixa ou duas?

VENDEDOR: Você quer duas?

O GLOBO: É.

VENDEDOR: Eu posso arrumar outra, mas só amanhã.

Conversa gravada na Drogaria Bem Estar sobre a possibilidade de encomendar um medicamento psicotrópico:

O GLOBO: Eu pedi um Prozac noutro dia, mas não tinha e o vendedor me disse para voltar depois.

VENDEDORA: Ele deve estar aí amanhã (...). Ele falou que ia trazer é o Prozen, né? Às vezes, tem gente que dá uma receita com três e leva só um. Aí sobram dois.

O GLOBO: Então pede para me ligar e avisar? Vem com certeza?

VENDEDOR: Se ele prometeu, ele tem que trazer, né?