Título: LULA, KIRCHNER E CHÁVEZ: ALIANÇA CONTRA O FMI
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 03/03/2005, Economia, p. 31
Proposta da Argentina, aceita por Brasil e Venezuela, é traçar nova estratégia. Ministros da Fazenda são convocados
MONTEVIDÉU. O sucesso da operação de renegociação da dívida pública da Argentina levou o presidente do país, Néstor Kirchner, a lançar uma nova ofensiva, desta vez contra o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ontem, Kirchner propôs aos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, da Venezuela, a elaboração de uma estratégia comum de negociação com o Fundo, idéia que foi bem recebida pelos dois outros chefes de Estado.
Após uma hora e meia de reunião, num hotel de Montevidéu, os três presidentes anunciaram sua decisão de convocar uma reunião dos ministros da Fazenda de seus países, que será realizada dentro de 30 a 40 dias, possivelmente em Buenos Aires.
- Vivemos um momento histórico muito importante, a integração é um fato irreversível. Começamos a acreditar em nós mesmos, nas nossas forças, na nossa criatividade, inteligência, na nossa economia e na nossa indústria. Descobrimos que a solução dos nossos problemas está na boa relação que tivermos entre nós aqui na América do Sul - disse Lula, que depois do encontro com os presidentes argentino e venezuelano comeu uma parrillada (frutos do mar na grelha) e tirou fotos com turistas.
'O FMI está deixando de ser um curral', diz chanceler
Os argentinos, como sempre, voaram mais alto. O ministro das Relações Exteriores do país, Rafael Bielsa, assegurou que a meta dos três países é negociar de forma conjunta com o FMI. A Argentina suspendeu seu acordo com o Fundo em meados do ano passado e, segundo Bielsa, "poderia viver sem um acordo com o organismo em 2005, honrando todos seus compromissos".
- É uma rebelião na granja. O FMI está deixando de ser um curral porque os animais começam a querer sair - afirmou Bielsa.
Segundo chanceler argentino, os presidentes do Brasil e da Venezuela se mostraram muito interessados em saber detalhes da troca de bônus da dívida argentina. O bom resultado obtido na operação, assegurou Bielsa, deu novos contornos ao cenário financeiro regional.
- Temos de aproveitar este momento para fortalecer nossas posições. Depois da troca, a Argentina virou uma loira de olhos azuis - ironizou o ministro argentino.
Bielsa: Venezuela deve comprar títulos argentinos
Assessores do presidente Kirchner não conseguiram esconder sua satisfação.
- Parece que algumas coisas mudaram. Fomos usados como cobaias, e como a operação deu certo, agora países que antes preferiam ter uma estratégia diferente da nossa querem se aproximar - afirmou uma fonte graduada do governo argentino.
De acordo com Bielsa, a intenção dos três países não é solicitar uma redução de suas dívidas, mas sim obter condições mais flexíveis. O chanceler argentino disse ainda que falou-se na possibilidade de que países da região comprem bônus de outros países:
- A Venezuela deve comprar títulos argentinos.
Kirchner: 'Ainda no inferno'
MONTEVIDÉU. Um dia antes da divulgação do resultado final da operação de reestruturação da dívida pública argentina, o presidente Néstor Kirchner disse que o país ainda não saiu do inferno. Segundo informou o ministro das Relações Exteriores, Rafael Bielsa, a taxa de adesão à troca de bônus ficará entre 75% e 80%. Mas para Kirchner o país ainda tem muitos desafios pela frente.
- Demos um passo importante, mas ainda faltam outros. Não é para soltar foguetes, ainda não saímos do inferno - disse Kirchner, antes de se reunir com o novo presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez.
O chefe de gabinete do governo, Alberto Fernández, confirmou que o resultado da reestruturação da dívida será informado no início da noite de hoje. Trata-se de um dos momentos mais importantes do governo, que em maio completará dois anos de gestão.
O governo argentino espera que o bom resultado da operação ajude o país a renegociar os contratos das empresas de serviços públicos privatizadas e discutir um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional. (JF)