Título: FRENTE PARA APURAR CRIMES DA DITADURA
Autor: Janaína Figueiredon e Chico Oliveira
Fonte: O Globo, 03/03/2005, O Mundo, p. 39

Presidente do Uruguai firma acordo inédito com Argentina e promete encontrar restos de neta de poeta

MONTEVIDÉU. Pela primeira vez desde a redemocratização de seus países, os governos da Argentina e do Uruguai assinaram um acordo que prevê uma ação conjunta para esclarecer crimes cometidos durante a ditadura. Um dia depois de assumir o poder, o novo presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, assegurou que seu governo fará tudo que for necessário para encontrar os restos da argentina Claudia Irureta Goyena, nora do poeta Juan Gelman, seqüestrada em Buenos Aires e assassinada em Montevidéu - símbolo da chamada Operação Condor, plano de ação conjunta entre os regimes militares do Cone Sul. É um dos casos mais emblemáticos a envolver os dois países.

- Chegamos a um acordo com a Argentina para fornecer apoio recíproco e ter certeza de que nunca mais este tipo de tragédia voltará a acontecer - disse Vázquez, que hoje mesmo poderia ordenar o início dos trabalhos de busca em quartéis de Montevidéu.

Investigação será um dos eixos do governo Vázquez

O presidente argentino agradeceu o respaldo uruguaio.

- Várias vezes tentamos buscar a verdade e sempre demos de cara com a porta fechada - afirmou Kirchner, em clara referência à decisão do ex-presidente do Uruguai Jorge Batlle (2000-2005) de não colaborar.

Dar impulso às investigações sobre crimes da ditadura (1973-1985) é um dos eixos da gestão do novo presidente uruguaio. Vázquez assumiu o compromisso de esclarecer todos os casos de violação dos direitos humanos durante o governo militar.

- O caso Gelman é simbólico e lamentavelmente ainda não conseguimos avançar muito. Mas existem investigações rigorosas sobre o lugar onde estariam os restos da nora de Gelman. São quartéis das Forças Armadas - confirmou o chanceler argentino, Rafael Bielsa.

Segundo ele, "serão retomados os trabalhos de busca, num contexto diametralmente diferente".

- Temos muita informação e os uruguaios também. Teremos de estudar a melhor maneira de atuar para encontrar os restos de Claudia - enfatizou.

O governo brasileiro não foi convidado a participar do acordo assinado ontem por argentinos e uruguaios. De acordo com o secretário brasileiro de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, cada país tem seu próprio processo de amadurecimento.

- Vemos uma inversão de cenários. No passado houve integração de ditaduras para violar os direitos humanos. Hoje há integração entre civis e militares para esclarecer o que aconteceu - disse.

No Rio Grande do Sul, o coronel uruguaio Manuel Juan Cordero Piacentini valeu-se ontem da lei 9747/97 para evitar sua prisão e deportação para a Argentina, onde é acusado de, em 1976, ter seqüestrado e assassinado dois políticos uruguaios: o senador Zelmar Michelini e o deputado Héctor Gutiérrez Ruiz, além de ter seqüestrado o bebê da professora uruguaia Sara Rita Méndez, também seqüestrada na capital argentina. Escondido há meses em Santana do Livramento, o coronel requereu status de refugiado político.

COLABOROU: Chico Oliveira

Conheça o caso Gelman

MONTEVIDÉU. Maria Claudia Irureta Goyena foi seqüestrada na capital argentina em agosto de 1976, quando tinha apenas 19 anos e estava grávida de oito meses. O pai da criança, Marcelo Ariel, filho de Gelman, foi seqüestrado no mesmo dia e pouco depois assassinado pelos militares argentinos. A nora de Gelman teria sido levada para o Uruguai, segundo investigações judiciais. Em Montevidéu, Maria Claudia deu à luz uma menina e pouco depois foi morta. A neta do poeta foi entregue a um policial uruguaio e há apenas quatro anos conheceu seu verdadeiro avô. O caso Gelman é considerado um dos mais importantes pelo governo do presidente Néstor Kirchner, que desde que assumiu o poder, em maio de 2003, tentou ajudar o poeta argentino a esclarecer a morte de sua nora. (Janaína Figueiredo)

Legenda da foto: KIRCHNER (à esquerda) e Vázquez conversam após assinatura do acordo para esclarecer violações dos direitos humanos: união celebrada