Título: PAREI NA 8ª SÉRIE PORQUE TINHA VERGONHA DO BUCHO¿
Autor: Letícia Lins
Fonte: O Globo, 07/03/2005, O País, p. 3

Grávidas sabem que bebê vai atrapalhar estudos

RECIFE. Filha de uma família de oito irmãos, com pai segurança e mãe dona-de-casa, Iracema Gonçalves da Silva engravidou aos 15, foi mãe aos 16 e aos 17 cria Márcio Cauã, hoje com um ano e três meses. Com a gravidez, parou de estudar:

¿ Parei na 8ª série porque tinha vergonha do bucho. Tinha vergonha de tudinho, de as pessoas saberem que eu já tinha transado, de estar grávida, de o uniforme não caber em mim. Parei com dois meses de gestação, sem coragem de olhar para a professora, a diretora. Agora voltei ao colégio e estou vendo que não tem nada demais, porque o que não falta na escola é menina esperando filho ¿ diz a jovem mãe.

Iracema e Márcio Nascimento, que foi pai aos 16, já não estão juntos. A sogra, Célia Nascimento, que foi mãe aos 15, ajuda na alimentação do bebê. Os avós maternos cuidam da criança enquanto Iracema vai à escola. A irmã de Márcio, Mariana, 15, está grávida de quatro meses, mas ainda não abandonou os estudos.

Mariana Lima França, de 17 anos, moradora em Olinda, também parou de estudar na 7ª série. Em setembro do ano passado, no comecinho da gravidez, enjoava tanto que precisou abandonar o colégio. O pai do garotinho que deve nascer até o fim de maio, de 19 anos, sumiu. Mariana sofreu muito, resistiu à pressão do rapaz para que fizesse um aborto, mas hoje se diz tranqüila.

¿ No começo me arrependi muito, chorava. Mas o apoio da minha mãe e dos irmãos foi importante ¿ afirma a jovem.

Fernanda Alcântara, também de Olinda, engravidou ainda mais cedo: aos 14 anos, espera o primeiro filho. O pai, Anderson, tem 16. A jovem cursa a 5ª série e acredita que o bebê vá prejudicar os estudos.

¿ Pretendo não parar, mas sei que vou faltar muito ¿ diz a menina.

Janaína Paula da Silva, de 17, está grávida de Fernando, de 15. Os dois ainda estão juntos e esperam o primeiro filho para junho. Janaína mudou-se para a casa da sogra e tem certeza de que a novidade vai prejudicar os estudos.

¿ Não sei se vai dar para estudar direito ¿ afirma ela.

Socióloga e diretora da ONG Cais do Parto, Marla Carvalho acredita que as meninas engravidam de forma consciente:

¿ Hoje não tem mais ninguém inocente. Elas conhecem os meios contraceptivos. Muitas acreditam que, com um filho, vão retomar as rédeas de suas vidas, ficam mais independentes e respeitadas. Normalmente, muitas delas levam antes uma vida só de obrigações e quase nenhum direito. Com filhos, assumem responsabilidades maiores mas passam a ser vistas de outra forma pela comunidade ¿ diz ela.

Consultora da Unesco, Myriam Abramovay também acredita que a gravidez precoce não é proveniente apenas do desconhecimento.

¿ É preciso aprofundar essa questão. Talvez um filho signifique uma esperança que essas meninas não têm ¿ observa Myriam. (Letícia Lins)