Título: FONTELES PEDE FEDERALIZAÇÃO DE CRIME NO PARÁ
Autor: Evandro Éboli/Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 05/03/2005, O País, p. 14

Procurador-geral da República recorre ao STJ para que investigação sobre morte de missionária fique com a PF

BRASÍLIA. O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, pediu ontem ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que a investigação do assassinato da missionária americana Dorothy Stang e o julgamento do caso sejam transferidos da Justiça do Pará para a esfera federal. Fonteles alega que o estado vinha se omitindo na apuração de crimes na região e argumenta que o assassinato da freira preenche os dois requisitos constitucionais para a atuação da Justiça Federal: a gravidade do fato e a necessidade de garantir que o Brasil cumpra tratados internacionais de direitos humanos.

- O Estado do Pará não conseguiu pôr ordem naquela realidade e hoje a Polícia Federal teve que entrar no caso. Pedi a federalização por causa da grandiosidade do evento, que foi de uma covardia atroz. A vítima lutava pela dignidade da pessoa humana - disse Fonteles.

No despacho, Fonteles transcreve o depoimento dos assassinos confessos Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Batista. E relata parte da trajetória de Dorothy. O procurador-geral sugeriu ainda a falta de confiabilidade da polícia local. Segundo ele, em 28 de junho de 2004, a Promotoria de Justiça do Pará chegou a sugerir que ela integrava uma quadrilha de pistoleiros.

"Irmã Dorothy era integrante da quadrilha e fornecia alimentação aos denunciados e invasores da fazenda. Dorothy foi incumbida de fornecer a alimentação aos criminosos que agiram de emboscada para tomar a fazenda", diz o documento da promotoria transcrito por Fonteles.

A possibilidade de federalizar investigações de crimes contra direitos humanos entrou em vigor em dezembro, quando foi publicada no Diário Oficial da União a reforma do Judiciário. Cabe ao procurador-geral da República pinçar casos que sejam de gravidade relevante e, a partir daí, propor ao STJ uma ação chamada incidente de deslocamento de competência. Não existe no texto constitucional prazo delimitado para o STJ tomar essa decisão.

Fonteles voltou a criticar a omissão das autoridades paraenses e federais em relação aos conflitos agrários no estado. Segundo ele, em 1º de abril de 2004, o Ministério Público no Pará já alertava o secretário especial de Defesa Social, Manoel Santino, sobre ameaças, torturas e morte de ativistas na região. O texto de Fonteles reproduz outro documento, em que o procurador Felício Pontes Jr. avisava às autoridades locais em 15 de junho de 2004 sobre o risco de morte de Dorothy Stang.

A decisão de Fonteles dividiu a opinião de delegados, promotores, políticos e entidades ligadas aos movimentos sociais. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgaram nota conjunta apoiando a iniciativa. Para essas entidades, a Justiça do Pará é lenta, parcial e prevalece a impunidade no julgamento de casos que envolvem conflitos agrários.

Promotor critica decisão de procurador-geral

Já o promotor Sávio Brabo de Araújo, responsável por oferecer a denúncia à Justiça do Pará, criticou a decisão. Para ele, a investigação das duas polícias, Civil e Federal, demonstrou a união dos governos estadual e federal. Por isso, ele considerou desnecessário deslocar a competência para a Justiça Federal.

- A investigação atendeu a todas as expectativas. Foi uma união de forças. Não vejo motivo para federalizar. Nada ficou por fazer. O esclarecimento do crime foi rápido e o julgamento também será. Mas se o processo for para a Justiça Federal, o caso vai demorar a ser julgado. O Judiciário estadual tem mais estrutura, mais promotores e mais juízes - disse Sávio Brabo.

O delegado da Polícia Civil Waldir Freire, que coordenou as investigações, considera desnecessária a federalização:

- Não sei se vai adiantar alguma coisa. O caso já está resolvido. A Justiça e o Ministério Público do Pará estão capacitados para conduzir o processo.

Novas ações da PF na região

ALTAMIRA (PA). Agentes da Polícia Federal, soldados do Exército e patrulheiros da Polícia Rodoviária Federal participaram ontem de várias ações, que irão continuar nos próximos dias, no oeste do Pará. Cerca de 60 agentes federais, espalhados em várias cidades, começaram uma operação de desarmamento.

O Pará tem um dos piores índices na campanha de desarmamento promovida pelo Ministério da Justiça. Apesar de ser o estado que registra o maior número de conflitos agrários no país, o Pará está apenas em 20º lugar no ranking dos que entregaram armas.

As ações também vão reprimir o trabalho escravo. Uma equipe de fiscalização móvel do Ministério do Trabalho esteve ontem em Uruará para ouvir trabalhadores resgatados numa operação.