Título: KIRCHNER, LAVAGNA E O FMI LERAM O MESMO LIVRO
Autor: ALOISIO P. ARAÚJO
Fonte: O Globo, 07/03/2005, Opinião, p. 7

Écom grande satisfação, porém com temor, que vemos o fim próximo da renegociação da dívida Argentina com seus credores. Pois, embora um pouco fora de moda, sempre vem à mente de alguns a comparação entre as nossas experiências como países. Com efeito, muitas têm sido nossas semelhanças: o Brasil já ficou inadimplente em sua dívida sete vezes nos últimos 177 anos enquanto a Argentina ficou cinco contando com a última crise. Em termos de anos em inadimplência os dois países são praticamente idênticos.

Outras semelhanças advêm das comparações de indicadores macroeconômicos do período pré-crise. A relação Dívida/Pib na Argentina era de 54% em 2001 e no Brasil era de 41% em 1998, véspera de suas respectivas crises.

Contudo, existem pelo menos duas grandes diferenças: a dívida pública Argentina estava toda dolarizada e a do Brasil bem menos, outra diz respeito à nacionalidade dos detentores da dívida. Enquanto a dívida Argentina estava 40% com os credores domésticos, no Brasil este percentual era de 80% na época da crise.

Pode-se cair no erro de acreditar que a Argentina fez um bom negócio ao deixar de pagar uma quantia enorme de suas obrigações, o que exigiria um esforço injusto de um país pobre. Seria então justo que os credores ricos ficassem com o ônus da reestruturação? Deveria o Brasil trilhar o mesmo caminho, deixando de lado o esforço a que se tem submetido? Deixando de lado as questões éticas de não-pagamento da dívida e, por exemplo, o fato de os aposentados italianos serem credores e não tão ricos assim, passamos a análise para o caso brasileiro, que é completamente distinto.

A nacionalidade dos credores da dívida brasileira evidencia que no nosso caso, ao contrário da Argentina, o calote seria, em grande medida, contra nós mesmos. Mesmo no caso argentino, o valor do PIB perdido no período da crise sem dúvida foi muito maior que o economizado com o não-pagamento aos credores externos. Em um cálculo aproximado, a economia foi de meio PIB com a moratória. Já a perda acumulada entre 1999 e 2004 foi de mais de um PIB, devido à queda de produtividade da economia no período pós-crise. O cálculo levou em conta que na ausência da moratória a taxa de crescimento do Pib argentino seria de 3% ao ano.

Outro motivo de cobiça indevida diz respeito ao baixo custo de ajuste fiscal com o qual a Argentina teria saído da crise. Nada mais falso. Claudio Loser, economista argentino, que já foi alto funcionário do FMI disse em entrevista ao ¿Diário da Manhã¿ de 24 de janeiro último: ¿O governo Kirchner é o mais ortodoxo da Argentina dos últimos vinte anos¿. E mais ainda, ¿o ministro Roberto Lavagna e o FMI leram o mesmo livro¿. Embora possamos discordar do entusiasmo de alguns argentinos, mesmo os ortodoxos, certamente a Argentina fez um forte ajuste fiscal. Praticou fortes aumentos de impostos sobre consumo e importação. E mais ainda, prometeu estender os atuais 3% do PIB de superávit primário por várias décadas. Além disso, é bom lembrar que só este ano o PIB da Argentina vai alcançar o nível de 1998.

É verdade que a economia da Argentina vem se recuperando de forma rápida e isto é muito positivo, inclusive para nós. Infelizmente, esta recuperação ainda esta muito dependente do crédito dos próprios empresários, provavelmente repatriado após a crise. O crédito bancário, propriamente dito, ainda está muito reduzido quando comparado com os valores anteriores à crise. A normalização deste mercado é essencial para a volta do crescimento econômico.

No nosso caso, devemos perseverar em nosso caminho de saída da zona de crise. Para tal, é importante a manutenção dos superávits fiscais e de balanço de pagamento.

Convém notar que as relações Dívida/Pib e Dívida-Externa/Exportação do Brasil estão ainda muito altas quando comparadas com países como o Chile e o México, isto sem falar nos países asiáticos.

O crescimento econômico também desempenha importante papel nesta melhora de fundamentos para afastar as crises. E, sob este aspecto, são fundamentais as reformas microeconômicas que estão sendo feitas.

Vamos estar todos melhores se entendermos que, ao invés de o Brasil copiar a desastrosa experiência da Argentina, é melhor que os esforços estejam direcionados para a saída da zona de crise.