Título: A NOVA ERA DOS DIREITOS AUTORAIS
Autor: Rachel Bertol
Fonte: O Globo, 05/03/2005, Prosa & Verso, p. 1

Os 'creative commons', que nasceram na internet, permitem flexibilizar o copyright

Por lei, sempre que alguém copia - ou xeroca - um livro está cometendo crime de pirataria. Quer dizer, isso se o autor não disser o contrário. O advogado Joaquim Falcão, diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), lançou recentemente "A favor da democracia", reunião de artigos que publicou na imprensa, no qual afirma, justamente, que é permitido "copiar, distribuir, exibir e executar a obra". Sem abandonar o copyright - Falcão continua a ser o "dono" de sua obra e a receber, normalmente, os direitos autorais sobre as vendas - ele, no entanto, resolveu abrir esta brecha, de acordo com as novas normas dos chamados creative commons, um movimento internacional que nasceu em 2001 nos EUA, na Universidade de Stanford, e ao qual o Brasil foi o quarto país a aderir, depois dos próprios EUA, do Japão e da Finlândia.

- Passamos um ano adaptando as normas dos creative commons à legislação brasileira - diz o advogado Ronaldo Lemos, 28 anos, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV e referência no Brasil a respeito do assunto.

Até maio, Lemos vai lançar pela editora da FGV "Direito, cultura e tecnologia", livro no qual aborda os novos desafios da era tecnológica, também sob a licença creative commons, designada pelo símbolo CC - o tradicional copyright é indicado por C. Assim como Falcão, Lemos, porém, vai fazer ressalvas à permissão para realizar cópias. Isso porque os creative commons oferecem uma gama flexível de licenças, que é possível combinar de diversas maneiras, de acordo com os interesses do autor. Além da licença CC, básica, eles escolheram outras três licenças, pelas quais determinam que sempre se dê crédito ao autor, proíbem o uso comercial da obra e impedem qualquer alteração ou transformação do conteúdo.

- São poucas as bibliotecas, são poucas as livrarias, é pequena a edição do livro. É preciso ampliar o acesso dos jovens, sobretudo os estudantes, à produção intelectual, e que essa produção seja um estímulo para que eles trabalhem sobre ela e tudo reinventem - afirma Joaquim Falcão ao justificar sua opção pela licença CC, que tem ganhado cada vez mais adeptos no mundo.

Atualmente, 4,5 milhões de obras estão licenciadas dessa forma no mundo: não apenas livros ou e-books, mas músicas, filmes, blogs, fotos etc. No Google, há 6,4 milhões de referências aos creative commons e 24 países já adotam essas licenças, que nasceram a partir da defesa do software livre, que levou ao movimento pelo copyleft, expressão que, sem deixar de ter uma conotação política em relação ao copyright, indica liberdade para copiar. Os creative commons são um tipo de copyleft, adaptados ao mundo intelectual da cultura, a partir de uma nova abordagem jurídica para lidar com a era digital. Em vez do "all rights reserved" (todos os direitos reservados) do copyright, eles têm como lema "some rights reserved" (alguns direitos reservados).

No Brasil, no mercado de livros, os CC ainda são desconhecidos pela maioria dos editores. No entanto, suscitam questões polêmicas.

- Sou escritor profissional, vivo disso. O Joaquim Falcão é advogado. A partir do momento em que eu abro mão do meu trabalho, permitindo cópias, como vou me sustentar? Não existe bolsa ou instituição que nos pague para escrever - observa o escritor Luiz Ruffato.

Legenda da foto: Variação do copyright que permite a negociação do período de vigência do direito autoral