Título: 'A BAÍA SÓ ERA LIMPA NO TEMPO DOS ÍNDIOS'
Autor: Paulo Marqueiro/Tulio Brandão
Fonte: O Globo, 06/03/2005, Rio, p. 33

Secretário de Meio Ambiente, Luiz Paulo Conde, diz que despoluição dará resultado, mas Botafogo é irrecuperável

Na última quarta-feira, o secretário estadual de Meio Ambiente, Luiz Paulo Conde, assegurou que as obras de despoluição da Baía de Guanabara, que estão atrasadas seis anos, serão concluídas até o ano que vem. Durante a entrevista, em seu gabinete, no Centro, tentou demonstrar otimismo, mas em alguns momentos reconheceu o mar de equívocos do programa. Argumentou que encontrou muita coisa já decidida e que "não poderia pôr suspensório em defunto". O gerente do programa, Aldoir de Souza, tentou alertar:

- O suspensório de defunto vai sair no jornal.

Depois de um rápido silêncio, Conde respondeu:

- Mas é suspensório de defunto mesmo.

O Ministério Público quer que o estado adote medidas para compensar os atrasos nas obras do programa de despoluição da Baía de Guanabara. O que acha disso?

LUIZ PAULO CONDE: Eu não concordo, vou conversar com a promotora. É um programa que tinha como objetivo o tratamento primário de 58% do esgoto. Agora, será 58% com tratamento secundário. Então, temos um atraso qualitativo.

O senhor considera o atraso qualitativo?

CONDE: Eu não estava no governo. Havia uma idéia de ampliar, fazer mais coisas. Então fizemos uma nova obra para o tratamento secundário.

Para tratar o quê?

CONDE: O esgoto.

Mas o esgoto praticamente não chega às estações.

CONDE: Está chegando. Alguma coisa tem que ser feita primeiramente. A idéia foi construir as estações, porque são mais simples para a construção do que as redes de esgoto. Mas estamos chegando lá. Nenhuma obra está parada.

Então o senhor não vai assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com o Ministério Público, para as medidas compensatórias?

CONDE: As medidas teriam de ser feitas para toda a sociedade: os donos de iates, os estaleiros, a Petrobras, as refinarias. Devia ser um conjunto de ações para todos, não para o governo do estado, que com todos os problemas tem um programa bem avançado. Nada é ligeiro como se pensa.

O sistema Pavuna só tem 20% de rede de esgoto e, os de Sarapuí e Alegria, 40%. O estado ainda tem que desembolsar US$98 milhões. As obras serão concluídas a tempo?

CONDE: Sim. A governadora Rosinha Garotinho vai terminar o programa e assinar a segunda fase antes do fim do governo. Vamos usar os recursos do Fecam, é nossa prioridade número um.

Por que tanto atraso na construção das redes?

CONDE: Certas vezes pode ser sido atraso por falta de dinheiro, mas outras vezes não. Eu não conheço uma obra desse porte que não tenha atrasado.

O senhor disse outro dia que não tinha culpa se os responsáveis pelos problemas nos reservatórios de água, construídos com verba do programa, não estavam presos. Em sua opinião, houve falhas criminosas no programa?

CONDE: Estou fora dessa discussão. Eu tenho horror a fazer uma apuração. Entrei aqui para botar o programa no lugar. Eu não fui favorável a uma série de estudos feitos no passado, mas já estavam contratados. Tem muita coisa boa, mas outras poderiam esperar. Um pessoal de Barcelona veio aqui achando que a Estação de Alegria era muito grande, que era melhor fazer três estações. Mas já estava decidido aquele tamanho. Então não adianta eu botar suspensório em defunto, adianta ir em frente, melhorando o programa.

O senhor teme que haja dificuldades para operar os equipamentos do programa?

CONDE: Por enquanto, não. Mas acho que no futuro vai haver falta de mão-de-obra. Teremos que botar um pessoal especializado. Não é que seja difícil, mas o controle do complexo de Alegria, com a quantidade de esgoto que vai sair, implica engenheiros, técnicos, uma série de especialidades.

O senhor não acha um absurdo não ter comprado os barcos para limpar a baía, como estava previsto há dez anos?

CONDE: Acho. É um problema. Vamos negociar com a Petrobras. Preferiram fazer outros projetos, uma série de estudos, que já estavam contratados. Tentei descontratar mas não pude.

O que, por exemplo, o estado tentou descontratar?

CONDE: Aqueles estudos de asa de borboleta (risos), estudos que vão ficar, são interessantes, importantes, mas não prioritários.

O senhor costuma dizer que na década de 60 a baía já não era limpa. Desde quando, na sua opinião, ela está poluída?

CONDE: A baía só foi limpa quando os índios estavam aqui. Nos anos 50 e 60, só Paquetá. Um primo comia mexilhão da Praia de Icaraí. Meu irmão dizia que ele era à prova de poluição, porque o mar era um cocô. Sempre foi. O Aterro de lixo do Caju era na beira da baía. Hoje, levando-se em conta o crescimento do Rio, acho que a situação da baía melhorou.

O senhor acredita mesmo que a baía será despoluída algum dia?

CONDE: Até os Jogos Pan-Americanos, entre a Ilha do Governador e a saída da barra da baía, as condições estarão muito melhores.

Em quanto tempo as pessoas vão poder tomar banho na Praia do Flamengo em condições próprias?

CONDE: Acho que em 2008 haverá condições. Já a Praia de Botafogo é insolúvel.

Por quê?

CONDE: Porque aquilo nunca foi praia, é uma invenção.

Quer dizer que a Praia de Botafogo é irrecuperável?

CONDE: Acho que sim. É um bom porto e uma péssima praia. O mar não bate. No Flamengo, ainda bate. Eu até quis fazer na areia de Botafogo a continuidade do Aterro do Flamengo. Seria um cais, mas disseram que eu ia aterrar, acabou. O Ministério Público não quis mais nada. Era muito melhor continuar o aterro e fazer um cais efetivo para barco.

Mas ainda há banhistas na Praia de Botafogo.

CONDE: É um crime, as pessoas sofrem com a poluição. A Praia de Botafogo é condenada. Ninguém freqüentou aquela praia. Flamengo também não tinha praia, é outra ilusão. Era um trampolim, umas pedras e uma nesga vagabunda de areia. Quem inventou a Praia do Flamengo foi Carlos Lacerda, que mandou encher aquele lugar de areia.

O programa de despoluição da baía foi concebido para ter a segunda fase, que ainda não começou. E se não houver a segunda etapa? Por enquanto, não há nada no papel.

CONDE: Já houve um estudo apresentado pelos japoneses (Banco Japonês, um dos financiadores). Além disso, o Iglesias (Enrique Iglesias, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento) disse para a Rosinha que conta com o projeto.

'Algumas vezes pode ter sido atraso por falta de dinheiro, mas outras vezes não. Não conheço uma obra desse porte que não tenha atrasado'

'A baía só era limpa quando os índios estavam aqui. Nos anos 50 e 60, só Paquetá (...) Hoje, levando-se em conta o crescimento do Rio, acho que a situação da baía melhorou'