Título: DÚVIDAS E RESSENTIMENTO NA ITÁLIA
Autor:
Fonte: O Globo, 07/03/2005, O Mundo, p. 22

Ataque americano que feriu refém e matou agente no Iraque revolta país aliado de Bush

ROMA

Perguntas sem respostas atormentaram ontem os italianos, aumentando no país o ressentimento com os EUA, dois dias depois de soldados americanos abrirem fogo contra o carro que conduzia uma italiana libertada no Iraque, ferindo-a e matando um agente secreto que a protegia. Em meio à comoção que marcou o enterro com honras de Estado do agente Nicola Calipari ¿ acompanhado por milhares de pessoas ¿ a jornalista Giuliana Sgrena considerou possível que os soldados tenham disparado deliberadamente contra o carro, pelo fato de Washington discordar, segundo ela, do pagamento de resgate para libertá-la. Para a Casa Branca, tudo não passou de ¿um terrível acidente¿.

O governo italiano não explicou as circunstâncias em que Giuliana foi libertada, mas o ministro da Agricultura, Gianni Alemanno, admitiu que ¿muito provavelmente¿ foi desembolsada uma grande quantia. Segundo jornais italianos, foram US$10 milhões. Os EUA se opõem ao pagamento de resgates, por sua política de não negociar com terroristas. À TV Sky TG24, Giuliana declarou:

¿ O fato de os americanos não quererem negociações para libertar reféns é conhecido. Todos sabem que eles fazem o possível para impedir a adoção desta prática. Portanto, não devo descartar que eu poderia ser um alvo.

Em artigo no jornal comunista ¿Il Manifesto¿, para o qual trabalha, Giuliana disse que foi alertada pelos seqüestradores antes de ser libertada: ¿Tenha cuidado porque os americanos não querem que você volte viva.¿

Com apoio de manifestantes nas ruas, a oposição italiana exigiu dos EUA e do primeiro-ministro de direita Silvio Berlusconi ¿ um dos maiores aliados dos EUA no Iraque ¿ esclarecimentos sobre o incidente.

¿ Os 57 milhões de italianos que estavam unidos pela libertação de Giuliana têm o direito de saber o que aconteceu ¿ disse Romano Prodi, ex-primeiro-ministro e líder da oposição de centro-direita.

Num país onde a maioria da população foi contra a guerra e se opôs ao envio de três mil soldados italianos ao Iraque, promotores abriram uma investigação sobre a morte de Calipari, enquanto o Ministério da Justiça e membros do próprio governo pediam informações de testemunhas sobre o que aconteceu. ¿Precisamos ter os culpados punidos e de uma desculpa dos americanos. Somos aliados fiéis, mas não podemos dar a impressão de sermos subordinados¿, disse o ministro Alemanno, ao ¿Corriere della Sera¿.

Giuliana estava sumida há um mês. Sexta-feira, a alegria de se ver novamente livre foi breve: soldados americanos abriram fogo contra o carro que a conduzia ao aeroporto de Bagdá. Os americanos disseram que o motorista não atendeu a avisos para que parasse e seguiu em alta velocidade, mas a jornalista deu versão diferente. Ela disse no artigo que o carro seguia em velocidade baixa, que ¿havia luzes brancas, e não sinais¿, e que, diante dos disparos, o motorista gritou ¿Somos italianos!¿, sem que os tiros cessassem. ¿Nicola Calipari se jogou sobre mim para me proteger e imediatamente senti seu último suspiro. Ele morreu junto de mim¿, afirmou. Calipari chefiara as negociações para libertá-la.

No Brasil, família mantém esperança

Os EUA se desculparam pelo incidente e prometeram investigá-lo. Bush telefonou sexta-feira a Berlusconi. No funeral de Calipari, o presidente Carlo Ciampi rendeu honras ao agente morto e lhe concedeu medalha especial. O Papa enviou mensagem de pesar.

No Brasil, continuava ontem a espera por notícias do engenheiro João José Vasconcellos Júnior. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) recebeu anteontem do serviço secreto da Itália a informação de que o brasileiro estaria morto. O relato teria sido feito por Giuliana Sgrena, que teria visto o brasileiro no cativeiro ou ouvido de seus captores a notícia da morte do engenheiro. A notícia não foi confirmada oficialmente, entretanto, e as embaixadas brasileiras no Oriente Médio e na Itália continuam em busca de informações.

A família mantém as esperanças de que ele esteja vivo:

¿ Não temos confirmação de um fato e nem de outro ¿ disse Luís Henrique Vasconcellos, irmão do engenheiro.