Título: CÂMARA PODE LIBERAR BINGO E JOGO DO BICHO
Autor:
Fonte: O Globo, 06/03/2005, O país, p. 13

Projeto concede aos estados a prerrogativa de autorizar e até de transferir para empresas a exploração de loterias

BRASÍLIA. Com intensa movimentação de bastidores, mas sem alarde, a Câmara está prestes a aprovar um projeto que possibilita a liberação completa dos bingos e dos demais jogos de azar, incluindo o bicho. A proposta, elaborada inicialmente pelo senador Maguito Vilela (PMDB-GO), concede à União, aos estados e ao Distrito Federal o poder de autorizar e até de transferir para empresas privadas a exploração de loterias.

O projeto, que acaba com mais de 50 anos de restrições ao jogo do bicho, já passou em caráter definitivo pelo Senado, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) em dezembro e agora, também longe dos holofotes, está pronto para entrar na pauta do plenário. É o último degrau para que o texto, se aprovado, seja levado à sanção presidencial e transformado em lei.

- Pelo projeto, cada estado vai dizer o que quer. Se o governo de um determinado estado quiser proibir, proíbe. Se quiser arreganhar, que arreganhe - afirmou o relator do texto na Câmara, Inaldo Leitão (PL-PB).

A proposta foi apresentada ao Senado por Maguito em março de 2002 e aprovada em caráter terminativo na CCJ da Casa e enviada à Câmara sete meses depois. Com o caso Waldomiro Diniz transformado em escândalo no início de 2004, o projeto foi momentaneamente deixado de lado. Em 14 de dezembro, sem nenhum barulho, a CCJ da Câmara aprovou o relatório de Inaldo Leitão sobre o assunto.

A pedido do relator, o presidente da CCJ na época, Maurício Rands (PT-PE), enviou ao então presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), um requerimento para que a decisão da comissão fosse considerada definitiva. Com isso, a proposta seria enviada para a apreciação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sem passar pelo plenário. Mas João Paulo rejeitou o pedido e o projeto entrou na fila para ser votado em plenário.

A proposta de Maguito, encampada na íntegra por Inaldo, tem apenas 22 linhas, mas apresenta mudanças substanciais, embora nem sempre evidentes, ao decreto 3.688 de 1941, que classifica o jogo do bicho como contravenção penal. A pretexto de endurecer o combate ao crime organizado, os parlamentares tipificam como crime o ato de "explorar ou realizar, sem a devida autorização legal, concurso de sorteios de números ou quaisquer outros símbolos, por meio natural ou eletrônico, destinado a obtenção de prêmio em dinheiro ou bens de qualquer natureza".

Texto estabelece penas de dois a seis anos de prisão

Numa aparente demonstração de rigor, o texto estabelece as penas de dois a seis anos de reclusão e multa para quem promover jogos não previstos em lei, como jogo do bicho, considerado até agora contravenção penal. Mas, segundo o recém-escolhido presidente da CCJ, Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), o sentido da lei muda radicalmente no parágrafo seguinte. O parecer diz que é crime praticar jogos sem a devida autorização, mas logo em seguida estende para os governos estaduais o poder de autorizar qualquer tipo de loteria, inclusive o jogo do bicho.

"A autorização do serviço de loteria somente poderá ser realizada diretamente pela União, pelos estados e pelo Distrito Federal, ou indiretamente, mediante licitação", diz o artigo 4º B do projeto. Para Biscaia, as mudanças em curso, embora sutis, terão forte repercussão no mercado do jogo clandestino.

- Com essa brecha, basta um governador autorizar o jogo do bicho que ele deixa de ser crime. O jogo do bicho ou qualquer outro jogo - afirma.

O Caso Waldomiro

A disputa pelo controle de parte das loterias eletrônicas está voltando à tona um ano depois de levar à demissão o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil Waldomiro Diniz, na mais grave crise política do governo federal até o momento. O assunto estava em banho-maria desde março de 2004, quando a revista "Época" divulgou trechos de uma conversa em que Waldomiro pedia propina a Antônio Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira, um dos controladores do serviço de loteria eletrônica em Goiás.

O movimento pela liberação dos jogos foi esvaziado e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou medida provisória proibindo o funcionamento dos bingos. Ainda sob o impacto do caso, a Câmara aprovou o texto, que logo depois foi derrubado no Senado, na maior derrota do governo no Congresso até então. Meses depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que apenas o governo federal tem competência para legislar sobre bingos.

Mas mesmo com essa interpretação do STF, bingos e loterias estaduais têm obtido liminares favoráveis da Justiça de primeira instância. O deputado Inaldo Leitão (PL-PB) sustenta que seu relatório sobre o assunto, já aprovado na CCJ da Câmara, vai pôr um fim a essa polêmica.

A conversa entre Waldomiro e Cachoeira foi gravada em maio de 2002. Na época, Waldomiro era presidente da Loterj. Mas o escândalo serviu de ponto de partida para outras investigações, que acabaram resultando no indiciamento de Waldomiro por tráfico de influência.

O ex-assessor é acusado pela Polícia Federal de cobrar cerca de R$6 milhões para facilitar a renovação de um contrato de R$650 milhões entre a Caixa Econômica e a Gtech do Brasil, empresa especializada em processamento de loterias. O contrato foi rompido e Waldomiro ainda está sob investigação.