Título: A ARMA HUMANA
Autor: Horácio Arruda Falcão e José Roberto C. da Rocha
Fonte: O Globo, 08/03/2005, Opinião, p. 7

Na medida em que enfermidades são diagnosticadas e tratadas, como hipertensão arterial, paralisia infantil e Aids, outras vão surgindo, sendo que algumas, por freqüência estatística, merecem uma atenção especial. As doenças dos rins se encaixam nesta categoria. No Brasil, atualmente temos 60 mil pacientes com insuficiência renal em tratamento pela diálise, com uma taxa de crescimento de mais de 10% ao ano, esperando-se 8.000 novos pacientes para 2005. É quase uma nova epidemia, silenciosa.

Dados recentes do Ministério da Saúde, que tem uma das maiores verbas do orçamento do governo federal, mostram que o tratamento destes pacientes, pelo programa de Terapia Renal Substitutiva, consome cerca de 6% das verbas disponíveis. Gasto enorme e crescente. E este é um dos setores onde o governo não tem conseguido muitos avanços. O tratamento dos pacientes com doenças dos rins é feito pelas diálises, que se enquadram em procedimentos de "alto custo". O tratamento é dispendioso, pois requer insumos importados, tecnologia e aparelhos de ponta que cada vez mais são mais caros, e conseqüentemente precisa-se de mais verbas. O SUS custeia cerca de 95% dos pacientes que precisam deste tipo de tratamento, reembolsando os hospitais privados por serviços prestados à população. Atualmente, apesar do alto montante de recursos movimentados, os valores remunerados pelo SUS não chegam a cobrir os custos do tratamento, por vezes comprometendo a qualidade dos serviços prestados aos pacientes e levando vários hospitais e clínicas a situações financeiras críticas.

Os altos custos para este tipo de tratamento são um problema mundial. Os Estados Unidos gastaram US$17 bilhões em 2002, quase 7,5% da verba total do Medicare. Se imaginarmos que são milhares de tipos de doenças, trata-se de um gasto elevado para se tratar uma única patologia. A previsão para os próximos anos é que 13 milhões de americanos sejam diagnosticados como portadores de doenças do rim. No Japão e na Austrália a situação é ligeiramente pior. No Brasil, a previsão orçamentária para o tratamento das doenças renais em 2004 foi de R$1,1 bilhão e ainda assim estes recursos têm se mostrado insuficientes para um tratamento de qualidade. Estudos internacionais nos permitem estimar que 7 milhões de brasileiros já sofrem de algum tipo de doença nos rins, e que a maioria nem tem conhecimento da doença. Número este que em 2010 poderia chegar a 9 milhões. A grandeza destes números tende a caracterizar as doenças renais como uma epidemia silenciosa. De tamanha importância, que alguns organismos de saúde internacionais estão se mobilizando para criar um fundo global para combater estas doenças. A previsão é de que, se nada for feito em médio prazo, os recursos mundiais necessários para tratamento por diálise logo serão superiores a 50 bilhões de dólares anuais.

Nesta encruzilhada em que se encontra a comunidade médica e científica e sob um ponto de vista ético e financeiro, a prevenção destas enfermidades é a única alternativa viável para amenizar o problema. A nosso ver, ao conscientizarmos o governo, os políticos, os médicos e a população em geral alertando para que incluam testes de função renal nos tradicionais check-ups, permitindo assim o diagnóstico precoce e tratamento preventivo, em muito estaríamos contribuindo para evitarmos morbidade e mortalidade e baixarmos estes altos custos.

Sinais como pressão arterial elevada, dores nas costas, urina muito espumosa, inchação nos olhos e nos pés prenunciam problemas de rim. Aos médicos cabem valorizar os exames laboratoriais que verifiquem a função renal tais como uréia, creatinina, albumina e o exame simples de urina. Em termos preventivos, dietas evitando o excesso de sal e de proteínas vermelhas, controle da hipertensão arterial e tratamento das infecções do rim e específico das nefrites em muito evitariam que os pacientes pudessem a vir necessitar de diálise.

O investimento em prevenção de doenças sempre traz grandes benefícios, tanto para os pacientes quanto para os elevados custos orçamentários da área de saúde. O Brasil deveria estar mais atento ao princípio de "prevenir é reduzir custos". Modelos bem-sucedidos de prevenção como o da Aids, doenças do pulmão (tabagismo), câncer de mama, enfermidades cardiovasculares e, agora, o câncer de próstata são exemplos de que campanhas alertando a população para que procure atendimento e diagnóstico médico precoce fazem sucesso, evitando o surgimento e a disseminação das doenças. A prevenção é a arma mais humana e eficiente na medicina moderna.