Título: COMPADRES ATÉ NOS NEGÓCIOS
Autor: Toni Marques/Chico Otávio
Fonte: O Globo, 09/03/2005, O País, p. 3

Presidente da Alerj, Picciani foi sócio de fiscal preso por golpe bilionário contra o INSS

O presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio, Jorge Picciani (PMDB), foi sócio numa fazenda e fez pelo menos mais uma transação imobiliária com um dos réus no processo que investiga a fraude de R$3 bilhões que teria sido cometida por 13 auditores fiscais do INSS no Rio. Logo depois da prisão do auditor fiscal Arnaldo Carvalho da Costa, Picciani admitira ser seu amigo (ele é padrinho do filho do auditor), afirmando em nota, porém, que desconhecia a atividade profissional de Arnaldo. Mas o desconhecimento não impediu Picciani de ser seu sócio, durante quase seis anos, numa fazenda em Rio das Flores e de lhe vender uma casa de cinco suítes na Praia de Geribá, em Búzios. Os dois negócios foram realizados no período das fraudes contra o INSS.

Fazenda tinha 682 hectares

A Fazenda Santa Maria, no 4º Distrito de Rio das Flores (Abarracamento), foi adquirida por Picciani e Arnaldo em 8 de dezembro de 1995 por valor declarado de R$122 mil. E vendida em 2001 por R$350 mil. Na declaração de renda de 2002 de Picciani, apresentada à Justiça Eleitoral, declara participação de 50% na Fazenda Santa Maria, de 682 hectares.

A Fazenda Santa Maria foi vendida, em 2001, para a Nova São Paulo Participações, Empreendimentos F/C Ltda. Desde 22 de agosto de 2002, pertence à Kobe Veículos S/A.

Já a casa de Búzios fica no condomínio San Michelle, que, segundo corretores da cidade, é de alto padrão. No mercado, a casa de número 3, vendida por Picciani ao compadre Arnaldo, vale entre R$600 mil e R$800 mil. O 17º Ofício de Notas do Rio de Janeiro registra uma promessa de compra e venda de Jorge Picciani para Arnaldo em 16 de março de 1995 da casa em Búzios.

A casa em Búzios não estava na lista original de bens imóveis do auditor fiscal, que tinha 17 propriedades, a maioria em Niterói. São duas casas, um prédio, oito apartamentos, uma loja, quatro salas e a Fazenda Santa Maria, segundo a força-tarefa do Ministério Público, da Polícia Federal e do INSS. Com a casa de Búzios, a lista sobe para 18 imóveis. O salário médio de um auditor fiscal é de R$7.500.

A mulher do auditor fiscal, um dos 11 presos pela Polícia Federal no fim do mês passado (há mais dois auditores fiscais foragidos), Eliana Nogueira Mathias Costa, é funcionária do Tribunal de Contas do Estado. Sua nomeação está sendo investigada pela força-tarefa.

Na casa de Arnaldo, foram apreendidos documentos com informações sobre campanhas eleitorais, incluindo a doação de 15 mil camisetas. A força-tarefa tenta, agora, apurar os nomes dos candidatos favorecidos.

Há outros indícios da relação de Arnaldo com a política que serão investigados. Entre novembro e dezembro do ano passado, ele foi requisitado pela Assembléia Legislativa para trabalhar no Departamento de Informática. O auditor, porém, não chegou a completar um mês de casa. Preso pela primeira vez, em dezembro, pela operação Mar Azul da Polícia Federal, por suspeita de fraudar o INSS, ele teve sua requisição anulada. Acabou solto por força de um hábeas-corpus e foi novamente preso em 24 de fevereiro.

Arnaldo e outros três fraudadores presos - Francisco Cruz, Antônio Vinícius Monteiro e Paulinéa Pinto de Almeida - serão interrogados hoje, na 3ª Vara Federal Criminal do Rio.

- Em outros casos, o Ministério Público Federal constatou que muito dinheiro desviado do INSS era usado para financiar campanhas. Ainda não há provas, mas a hipótese não está descartada - disse o procurador da República Fábio Aragão.

Deputado admite ter dividido fazenda

Picciani afirmou ontem que não foi sócio do fiscal preso, mas "co-proprietário (condômino) com o senhor Arnaldo em propriedade imóvel, conforme consta de documento público que qualquer cidadão pode acessar". Em carta ao GLOBO, afirmou ainda: "Tornei pública a minha relação de amizade com o senhor Arnaldo por não haver razão para negá-la. Não há crime em ser amigo de quem quer que seja. Reitero a informação de que nossas famílias mantêm relações de amizade, e igualmente reitero que desconhecia as atividades do senhor Arnaldo no exercício de suas funções como fiscal".

"Ao que sei, o senhor Arnaldo ingressou no serviço público através de concurso numa data anterior, inclusive, ao meu ingresso na política", disse o presidente da Alerj, sem negar ter feito negócios com o fiscal preso.

Denúncia por trabalho escravo em 2003

Em agosto de 2003, Jorge Picciani foi denunciado pelo Ministério Público por exploração de trabalho escravo em sua fazenda Agrovás, em São Félix do Araguaia (MT). Na denúncia, apresentada ao Tribunal Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro, o presidente da Alerj foi acusado de submeter 41 trabalhadores rurais a condição similar à de escravo. No ano passado Picciani fez acordo com o Ministério Público do Trabalho e conseguiu extinguir a ação civil pública que respondia. Ele se comprometeu a transformar a propriedade em modelo de respeito aos direitos trabalhistas. Mas só sairá da "lista suja" do Ministério do Trabalho após nova fiscalização e depois de dois anos.

A fazenda foi visitada em junho de 2003 por auditores do trabalho e policiais federais, que encontraram 14 motosserras sem licença do Ibama, usadas para derrubar mata virgem e criar pastagens. Uma criança e um adolescente estavam em situação de constrangimento, segundo o relatório: dormiam numa barraca com vários homens, o que infringiria o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Legenda da foto: O PRESIDENTE da Assembléia, Jorge Picciani (à esquerda), e Arnaldo Carvalho da Costa, cobrindo a cabeça com uma camisa ao ser preso