Título: O 'LOBBY' DAS ARMAS
Autor:
Fonte: O Globo, 09/03/2005, Opinião, p. 6

Sabotagem do referendo terá êxito se governo não agir

O Estatuto do Desarmamento se equipara às mais importantes reformas econômicas e sociais. Se estas são necessárias para adequar o país a um mundo sem fronteiras e cada vez mais competitivo, a instituição de normas rígidas para disciplinar o acesso a armas é ponto crucial para a segurança pública, no momento em que as estatísticas sobre homicídios e a violência em geral traçam um cenário condizente com situações de guerra civil e de insurreição.

Depois de intensa batalha política no Congresso, onde existe uma atuante bancada contra o desarmamento, foi possível aprovar o Estatuto. E com ele tornou-se mais dura, como necessário, a penalização pelo porte ilegal de armas. O que antes era equiparado a contravenção, punido com penas suaves como a de prestação de serviços à comunidade, tornou-se crime coibido com prisão em flagrante e inafiançável.

Mas, como se esperava, diante dos interesses contrariados pelo Estatuto, não se podia considerar definitivamente vitoriosa a proposta de uma sociedade desarmada. A prova está na operação de sabotagem em curso na Câmara dos Deputados para inviabilizar uma peça-chave da nova legislação, o referendo sobre o comércio de armas.

Para a consulta ser realizada em 2 de outubro, como estabelecido com base no Estatuto, é preciso a aprovação de projeto de lei, desde junho do ano passado engavetado na Comissão de Segurança Pública da Câmara, apesar do parecer favorável do relator. Cabe ao ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, um dos principais responsáveis pelo Estatuto, agir para impedir o êxito dessa bancada de lobistas.

É bem-vinda também a iniciativa de algumas entidades de lançar uma campanha de esclarecimento sobre os efeitos positivos já alcançados pelo recolhimento espontâneo de armas. Como foi detectado um enfraquecimento do apoio popular ao fim desse comércio, é preciso divulgar os índices de redução de homicídios em várias cidades, reflexo direto da queda no número de armas em circulação.

Mas o esforço será em vão se o governo não se mobilizar para aprovar o referendo de outubro.