Título: TODOS TÊM CULPA NO CARTÓRIO
Autor: Luiz Ernesto Magalhães/Paulo
Fonte: O Globo, 09/03/2005, Rio, p. 12

Análise dos contratos da municipalização mostra que prefeitura e União quebraram acordos na saúde

Uma análise dos contratos assinados entre a União e o município revela que tanto o governo federal quanto a prefeitura são responsáveis pela atual crise na saúde. Os sete convênios firmados em 1999 para a municipalização de 28 unidades - entre hospitais, PAMs e maternidades - vêm sendo descumpridos pelas partes. Isso explica o caos na rede, com superlotação de emergências, falta de pessoal, escassez de medicamentos essenciais e equipamentos de exame e diagnóstico quebrados.

De modo geral, a União é responsável pelos problemas de pessoal, enquanto na conta da prefeitura podem ser debitadas as falhas na manutenção e no custeio (gastos com medicamentos e equipamentos). A União tem alegado motivos burocráticos para não pagar por novos servidores. Os contratos mostram ainda que a prefeitura aceitou em 1999 condições difíceis de serem mantidas, já que não há cláusulas que determinem a atualização dos recursos para custeio.

Segundo os contratos, a União é responsável pelo pagamento dos servidores federais lotados nas 28 unidades, o que vem sendo cumprido. O problema é a reposição dos que se aposentam. Pelos convênios, a União se compromete a aumentar os recursos repassados à prefeitura para a contratação de pessoal em apenas seis das 28 unidades. A regra vale para os hospitais de Ipanema, da Lagoa, do Andaraí, Raphael de Paula e Souza (Curicica), Philipe Pinel (Botafogo) e Pedro II (Engenho de Dentro), como previsto nas subcláusulas 14 e 15 do item que trata de recursos humanos. Estas subcláusulas não existem no contrato único que trata da municipalização das outras 22 unidades.

Necessidade de pessoal teria que ser avaliada em conjunto

Em relação aos seis hospitais, os acordos estabeleciam que os órgãos de recursos humanos da União e da prefeitura deveriam avaliar em conjunto, a cada ano, as necessidades de pessoal para que o Ministério da Saúde cobrisse as despesas com a contratação de novos servidores. No entanto, apenas em 1999 houve acréscimo nesses valores.

Até o fim de 2004, o número de servidores federais nas unidades municipalizadas encolheu 30,4%, passando de 13.938 em 1999 para 9.698. Nos seis hospitais cujos contratos prevêem a reposição de pessoal, a redução foi parecida: caiu de 5.339 para 3.745 servidores (29,8%). No período, a prefeitura admitiu cerca de 6.500 funcionários para a rede, sendo 2.200 para os seis hospitais. As admissões ocorreram sem que as partes chegassem a um acordo.

O Ministério da Saúde e a prefeitura divergem sobre o motivo da falta de entendimento. O secretário nacional de Assistência à Saúde, Jorge Solla, alega que nunca foi procurado pelo município para que analisassem juntos a necessidade de mais recursos:

- As negociações só começaram em fevereiro. Concordamos em repassar mais R$46 milhões por ano para cobrir os custos com servidores desses seis hospitais. O valor, na verdade, é superior ao que a prefeitura necessita. Nosso cálculo toma por base quanto os servidores federais recebem em fim de carreira e desconsidera que os contratados pela prefeitura acabam de ingressar no serviço público.

O secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cezar Coelho, alega que procurou o governo federal alertando para a necessidade de mais pessoal. E apresenta ofícios enviados à Delegacia Regional do Ministério da Saúde em 2002 e 2003 com relatos sobre as carências da rede. Os documentos mostram, porém, que houve apenas trocas de ofícios entre os poderes, sem nada conclusivo.

- Precisamos fechar um acordo porque a necessidade de pessoal vai aumentar. O último concurso público para os hospitais federais foi em 1978. A partir de 2008, todos terão direito a se aposentar por tempo de serviço - diz Ronaldo.

Os contratos estabelecem ainda que é de responsabilidade exclusiva da prefeitura zelar para que as 28 unidades tenham condições de atendimento. Mas, nas últimas semanas, as emergências dos Hospitais Cardoso Fontes (Jacarepaguá), do Andaraí e Jurandir Manfre (psiquiátrico) restringiram os atendimentos dos casos mais graves, sob a alegação de falta de pessoal, equipamentos e medicamentos.

Para Hermano Cabernite, advogado especializado em direito administrativo, que analisou os contratos a pedido do GLOBO, são claras as divisões de responsabilidade entre a União e a prefeitura.

- No que diz respeito à cessão dos hospitais, a prefeitura se obrigou a no mínimo manter as condições e a qualidade de atendimento. E assumiu, a partir de 2000, a responsabilidade financeira pelas unidades, abrangendo mobiliário, materiais e medicamentos - diz o especialista. - Os contratos prevêem, também, o fornecimento pela União de mão-de-obra que vier a ser necessária para assegurar a continuidade dos serviços.

Nas negociações que começaram em fevereiro, União e prefeitura já chegaram a um acordo sobre os gastos com pessoal. Mas o reajuste ainda não está assegurado porque as duas partes exigem compensações que não constam dos contratos. Em relação ao custeio das 28 unidades a prefeitura reivindica um reajuste nos valores dos repasses mensais do SUS, de R$14,6 milhões para R$24,1 milhões. Os R$14,6 milhões atuais foram fixados pela Portaria 05/1999 do Ministério da Saúde.

- Realmente, não existe cláusula de atualização. Mas, em cinco anos, os custos de manutenção da rede aumentaram muito. Não é possível manter os hospitais com os recursos repassados - diz Ronaldo.

Ministério alega não ter como pagar contratações já feitas

A prefeitura exige ainda uma compensação da União de R$89,1 milhões pelos gastos com pessoal que não foram cobertos desde 2000. Finalmente, o município exige que a União se comprometa a expandir para toda a Região Metropolitana o programa Remédio em Casa, implantado no Rio pela prefeitura para pacientes dos programas de diabetes e hipertensão.

O ministério sustenta que o problema não está na elevação dos gastos com custeio, mas na maneira como esses recursos são gerenciados. A União também apresenta exigências extracontratuais para fechar o acordo. Além de mais recursos para pessoal, promete repassar ao Rio R$56 milhões para obras na rede pública. Em contrapartida, quer que o município se comprometa a ampliar o Programa Saúde da Família e a construir 15 postos 24 horas para reduzir a demanda nos hospitais de emergência do Rio, entre outros itens. A prefeitura concorda com essas exigências, embora discorde dos prazos para a implantação dos serviços.

Um morto bem vivo no Andaraí

Família de aposentado internado recebe falsa notícia de óbito

O funeral do aposentado Sebastião Ribeiro, de 56 anos, já estava sendo providenciado quando a família recebeu a notícia de que o morto estava vivinho da silva. Informada por funcionários do Hospital do Andaraí da morte de seu pai, no início da noite do último domingo, Simone Ribeiro, de 33 anos, passou a madrugada comunicando o triste fato aos parentes. Na manhã seguinte, ainda em desespero, de posse do atestado de óbito - carimbado e assinado por um médico da unidade - ela foi cuidar do enterro. Poucas horas depois, o clima de tristeza se converteu em comemoração: Sebastião não tinha morrido.

Simone está disposta a processar o hospital. A sogra de Sebastião, Maria da Glória Arruda, de 84 anos, passou mal ao saber da suposta morte e foi internada no Hospital da Posse. O aposentado foi internado em 16 de fevereiro, depois de passar mal em casa, no Estácio. Após uma semana de internação, os médicos, segundo familiares, disseram que Sebastião havia sofrido um AVC, mas estava bem.

- Anteontem fui chamada no hospital e um médico disse que meu marido havia sofrido duas paradas cardíacas e que não tinham conseguido reanimá-lo - indignou-se a mulher, Lidia Benedito Ribeiro.

Já os 1.200 pacientes do setor de Oncologia do Hospital do Andaraí foram beneficiados por uma decisão da juíza Valéria Pachá Bichara, da 9ª Vara de Fazenda Pública. Ela concedeu ontem liminar pedida pelo Sindicato dos Médicos do Rio determinando que a Secretaria municipal de Saúde forneça 11 tipos de medicamentos para os doentes de câncer atendidos pela unidade. Na mesma liminar, a juíza determina que a secretaria realize obras e contrate profissionais para pôr em funcionamento quatro salas do centro cirúrgico.

INCLUI QUADRO: SAIBA O QUE DIZEM OS CONTRATOS [ TERMO DE CESSÃO DE USO DOS HOSPITAIS, GOVERNO FEDERAL E MUNICIAPAL]