Título: ABEL MAMANI: 'Continuaremos pressionando'
Autor: Flávio Lino
Fonte: O Globo, 09/03/2005, O Mundo, p. 27

Presidente da Federação de Associações de Moradores de El Alto, Abel Mamani é um dos principais opositores de Carlos Mesa. Ele exige, entre outras coisas, a expulsão da companhia francesa Suez Lyonnaise des Eaux, que tem a concessão do serviço de água na região. "Hoje o país é governado pelas companhias petrolíferas multinacionais", disse Mamani ao GLOBO, de El Alto.

Os moradores de El Alto aceitariam um pacto de união nacional com o governo?

ABEL MAMANI: Não vamos ceder. As medidas de força continuarão e não somente em El Alto. O problema é em que condições o governo vai continuar. Temos de ver qual o objetivo do pacto. Temos exigências e nosso único interesse é que sejam atendidas.

Os bloqueios continuarão?

MAMANI: Sim, mas analisamos outras estratégias. A idéia é uma mobilização constante.

A principal demanda de seu movimento é a expulsão da empresa Suez?

MAMANI: Sim. Mas fazemos outras exigências, entre elas a reforma da lei de hidrocarbonetos e o julgamento do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Losada.

O presidente Mesa acusou-o de ser um dos responsáveis pela crise de governabilidade.

MAMANI: O presidente foi injusto. Pedimos coisas que ele se comprometeu a fazer, aqui mesmo, em El Alto. No caso da água, ele reconheceu que a empresa não cumpre o contrato e assinou um decreto anulando a concessão. Estamos pedindo apenas o cumprimento do decreto.

O presidente alega que se a concessão fosse anulada subitamente o país seria denunciado em cortes internacionais.

MAMANI: Mas ele já assinou o decreto, agora não quer implementá-lo. É que existem muitas pressões por parte da comunidade internacional. Foram enviadas cartas ao governo dizendo que para continuar recebendo ajuda e investimentos estrangeiros a nova empresa (fornecedora de água) deverá ser privada. Acreditamos que é possível ter uma empresa estatal e social, como existem em países vizinhos.

Acredita que a Bolívia poderia viver sem o apoio da comunidade internacional?

MAMANI: A comunidade internacional existe justamente para apoiar países e não para favorecer empresas multinacionais.

Os moradores de El Alto defendem a renúncia de Mesa?

MAMANI: Não nos interessa a política, esse não é o problema. O que interessa é a questão da água. Continuaremos pressionando, esteja quem estiver no governo.

O líder cocaleiro Evo Morales quer ser presidente. O senhor tem aspirações políticas?

MAMANI: Um dia o verdadeiro povo estará no poder. Os governantes devem estar ao lado do povo e não de interesses econômicos particulares. O país é governado por petroleiras multinacionais. Os povos indígenas devem sentir que são parte do governo. Representamos 85% da população e, apesar disso, pequenos grupos continuam governando a Bolívia. Mas nunca pensei em ser presidente (risos).