Título: MESA TENTA VIRAR O JOGO
Autor: Flávio Lino
Fonte: O Globo, 09/03/2005, O Mundo, p. 27

Presidente boliviano faz exigências para voltar atrás em pedido de renúncia

ABolívia viveu momentos de incerteza ontem enquanto os líderes políticos do país se trancaram durante mais de seis horas no Banco Central para decidir se aceitavam ou não as condições impostas pelo presidente Carlos Mesa para não tornar definitivo seu pedido de renúncia, apresentado ao Congresso segunda-feira. No fim do dia, enquanto milhares de partidários do presidente se concentravam na Praça Murillo - onde se localizam tanto o Congresso como o Palácio Quemado, sede do governo - um acordo parecia tomar forma, garantindo a continuidade de Mesa no cargo.

Os chefes das bancadas dos partidos se reuniram a portas fechadas com os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, além do ministro da Presidência, José Galindo. Em pauta estavam as quatro condições impostas por Mesa por volta do meio-dia: um consenso sobre a lei de hidrocarbonetos, respeito aos contratos internacionais firmados pela Bolívia, discussão sobre as autonomias regionais e a instituição da eleição direta de governadores.

- Se não houver consenso num acordo sobre o governo do país e sobre a lei de energia e outros assuntos, não haverá alternativa a não ser o presidente apresentar sua renúncia em caráter irrevogável - disse Galindo.

Apesar da demora, que gerou temores de que os chefes das bancadas recusassem o ultimato do presidente, ao longo da tarde o clima político foi indicando que haveria um consenso.

A exceção era o partido MAS do líder cocalero Evo Morales, que se recusava a assinar qualquer acordo.

- O MAS não tem que assinar nada. Vamos apenas rechaçar a renúncia - disse o deputado Santos Ramírez.

O movimento de oposição de El Alto também acredita que o presidente deve permanecer no poder.

- A Presidência de Carlos Mesa é um mal necessário - disse Roberto de la Cruz, um dos líderes dos protestos. - Se ele renunciar, seria desastroso para nossos movimentos sociais.

Desde cedo, já havia ficado claro que Mesa marcara pontos preciosos com sua manobra. Em vários pontos do país, grupos indígenas levantaram bloqueios nas estradas, temerosos de que o presidente deixasse o poder.

-- O tráfego foi normalizado em diversas regiões. De 50 bloqueios que havia, 26 foram levantados e os que restaram estão concentrados em Chapare - disse ao GLOBO o chefe de Polícia de La Paz, David Aramayo.

Crise provoca divisão na oposição

Os líderes indígenas alegaram que queriam ver suas reivindicações atendidas, mas não derrubar Mesa, o que poderia prejudicar a governabilidade. A renúncia de Mesa dividiu também o movimento de vizinhos de El Alto, cidade ao lado de La Paz e foco de alguns dos principais protestos contra o presidente. Na Praça Murillo, grupos da parte sul de El Alto pediam a cabeça do líder dos protestos, Abel Mamani.

- Queremos a paz e a democracia neste pais - ressaltou a funcionária pública Carmen García. - A saída de Mesa seria um retrocesso. Quando um governo muda assim, perde o país, perde a democracia e debilita a nossa credibilidade internacional.

Alguns membros do movimento comunitário de El Alto acusaram Morales e outros dirigentes de obrigarem as pessoas a participarem de marchas contra o presidente, sob pena de serem multados em 80 bolivianos (R$26). A maioria dos analistas já previa que o Congresso fosse chegar a um acordo com Mesa, pois era opinião corrente que a queda do presidente, em vez de abrir caminho para a solução da crise, contribuiria para agravá-la. Com 60% de apoio popular, ele já fora respaldado pelas Forças Armadas e, indiretamente, pela Igreja Católica, que pedira uma trégua social.