Título: SEVERINO REAGE A NORMA SOBRE ABORTO PELO SUS
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Fonte: O Globo, 12/03/2005, O País, p. 20

Para ele, permitir interrupção de gravidez em caso de estupro não registrado na polícia é interferência no Legislativo

BRASÍLIA. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), protestou ontem contra a norma do Ministério da Saúde que autoriza médicos da rede pública a fazer aborto em mulheres apenas com base em suas declarações de que foram vítimas de estupro e sem o boletim policial de ocorrência. Severino disse que vai estudar o assunto e ameaçou tomar providências caso entenda que o ministro da Saúde, Humberto Costa, está interferindo no trabalho do Legislativo:

¿ Quem está legislando é o ministro da Saúde. Temos que ver isso. Vou analisar se ele está fazendo uma interferência indébita no Legislativo. Se estiver, tomarei as providências que devo defender. Eu defenderei o Poder Legislativo ¿ disse Severino, em entrevista à Radiobrás.

Nota técnica foi editada pelo ministério em dezembro

A nota técnica para informar aos médicos e profissionais de saúde que não é crime atender mulheres internadas por complicações decorrentes de aborto e sem o boletim de ocorrência foi editada pelo ministério em dezembro e noticiada pelo GLOBO no dia 15 daquele mês.

Ontem, Severino criticou ainda o ex-ministro José Serra, que, quando estava na Saúde, também editou norma regulamentando o artigo 128 do Código Penal. O dispositivo já permitia que a mulher vítima de violência sexual poderia fazer aborto sem a notificação. Serra, porém, editou norma que exigia boletim de ocorrência como documento obrigatório para a realização de aborto legal no SUS.

¿ A posição do ministro Costa é igual à que teve o ministro Serra ¿ lamentou Severino, católico fervoroso.

A diretora do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde, Teresa Campos, explicou ontem que a norma técnica tem o objetivo de cumprir o previsto na Constituição, que é garantir o atendimento sem preconceito e sem discriminação a mulheres vítimas de abuso:

¿ A norma veio para garantir um atendimento mais rápido e eficaz. A quarta causa de morte materna no Brasil é o aborto. O ministério não pode se furtar de atender mulheres que chegam correndo risco de vida. Em relação à questão do boletim de ocorrência, continuamos orientando as mulheres para que procurem registrar. Só não estamos condicionando o atendimento ao fato de elas terem o boletim.

Mulheres que abortarem terão de preencher ficha

Segundo Tereza, todas as mulheres que fizerem o aborto terão de preencher a ficha de atendimento e realizar exames. E os atendimentos só serão feitos nos 50 serviços credenciados com o Sistema Único de Saúde para atender mulheres vítimas de violência.

¿ Essa mulher também assina a autorização de consentimento e se responsabiliza pela informação que está prestando ao profissional no caso do estupro ¿ explica Teresa.

Ainda assim, para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, os médicos que fizerem aborto na rede pública em mulheres que alegarem violência sexual sem apresentar o boletim de ocorrência estão sujeitos a serem processados. Jobim acredita que apenas uma decisão judicial ou uma lei podem determinar conseqüências jurídicas sobre o assunto.

¿ Não tem valor ato do Executivo dizendo que determinado assunto não tem conseqüência jurídica ¿ disse Jobim.