Título: Operação de guerra
Autor: Ruben Berta e Célia Costa
Fonte: O Globo, 12/03/2005, Rio, p. 21

Mutirão é convocado, emergência é reaberta e equipamentos chegam de caminhão

Usando a expressão ¿operação de guerra¿, o ministro da Saúde, Humberto Costa, anunciou ontem no Rio as primeiras medidas da intervenção decretada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na rede hospitalar do município. Ao lado de Costa, o chefe do comitê gestor dos seis hospitais que foram assumidos pelo governo federal, Sérgio Côrtes, convocou todos os médicos dessas unidades a trabalharem já neste fim de semana, em regime de mutirão. Residentes também foram chamados.

Dentro do clima de esforço conjunto, a primeira medida adotada foi a transferência de medicamentos e equipamentos para hospitais. No começo da noite, Sérgio Côrtes reabriu a emergência do Hospital Cardoso Fontes, em Jacarepaguá, fechada desde o dia 14 de fevereiro. Um caminhão descarregou na unidade aparelhos de ultrassonografia, de raios X e outros. Todos foram cedidos pelo Instituto de Traumato-Ortopedia (Into), do qual Sérgio Côrtes é diretor. Duas ambulâncias do Into também foram cedidas, além de vigilantes e maqueiros.

O chefe do corpo clínico do hospital, José Geraldo Menezes, tirou a faixa que havia na porta da unidade avisando pacientes sobre o não funcionamento do setor:

¿ Espero que eu não tenha que colocar a faixa novamente ¿ disse.

O Cardoso Fontes é uma das seis unidades cuja gestão foi assumida pela União, com o decreto federal que declarou o estado de calamidade pública na rede de saúde do Rio (as outras são os hospitais da Lagoa, de Ipanema, do Andaraí, Miguel Couto e Souza Aguiar).

Além do Cardoso Fontes, o Souza Aguiar recebeu ajuda do Into. Foram entregues medicamentos e insumos, como gaze e soro. Segundo Sérgio Côrtes, o material é para o fim de semana. Dois anestesistas ¿ do Into e do Instituto Nacional do Câncer (Inca) ¿ estarão trabalhando no Souza Aguiar. O hospital também teve o ar-condicionado da sala de tomografia consertado e recebeu um aparelho de raios X vindo do Into.

Aviões da FAB para buscar remédios

Outra providência se refere ao Sistema de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), um dos pontos de discórdia entre União e prefeitura. O serviço será assumido pelo governo federal. Setenta e oito ambulâncias que, segundo Humberto Costa, estavam paradas por inércia do município passarão a ser usadas no projeto em parceria com o governo estadual. Além disso, aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) estão à disposição do Ministério da Saúde para buscar medicamentos em qualquer parte do Brasil para os hospitais do Rio.

As seis unidades que passaram para o controle federal serão vistoriadas pelo Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (SUS) e já estão sendo administradas pelo comitê gestor chefiado por Sérgio Côrtes. A gestão dos recursos do SUS para as 28 unidades de saúde federais municipalizadas passou oficialmente para o estado.

A intervenção da União não terá conseqüências só nos seis hospitais cuja gestão o governo federal assumiu, já que outras unidades serão convocadas a dar suporte ao esforço para combater o caos na saúde:

¿ Vamos diminuir pela metade as cirurgias eletivas para auxiliar no atendimento de emergência ¿ disse Sérgio Côrtes. ¿ O Into passa a funcionar 24 horas para receber pacientes encaminhados de outros hospitais. O Instituto de Cardiologia de Laranjeiras também ficará aberto 24 horas para dar esse apoio.

O mutirão do governo federal também terá efeitos no setor de pessoal. Humberto Costa prometeu para os próximos dias um edital de contratação temporária de novos profissionais. Funcionários da prefeitura serão requisitados e também há possibilidade de profissionais de unidades federais terem a carga horária ampliada nos próximos dias para trabalhar nos hospitais sob intervenção.

A compra de insumos de forma emergencial, com dispensa de licitação, foi autorizada, mas o ministério utilizará uma tabela própria de preços para evitar fraudes. As dívidas com os atuais fornecedores serão reconhecidas para que o abastecimento seja normalizado, a partir de hoje, nos hospitais Souza Aguiar, Miguel Couto, Cardoso Fontes, do Andaraí, da Lagoa e de Ipanema.

Uma equipe de 15 advogados e administradores do ministério já está no Rio auxiliando a implantação das medidas, com o apoio de dois profissionais da Advocacia Geral da União. Outra equipe especializada em licitações virá de Brasília para agilizar processos de compra de equipamentos médicos e de reforma de unidades.

No início da tarde, Sérgio Côrtes foi ao Hospital do Andaraí e visitou o setor de emergência, que está fechado. Ouviu reclamações de pacientes e da atual diretora da unidade, Sara Asenjo, que procurou minimizar a crise na unidade:

¿ Tenho medo de não ser tratada de uma maneira igualitária pelos gestores que estão assumindo. Quando o governo federal nos repassou o hospital, já o assumimos com muitos problemas de infra-estrutura. A emergência, no entanto, precisa de poucos detalhes, como a contratação de clínicos, para voltar a funcionar.

Côrtes explicou que a diretora continuará participando da gerência da unidade, mas que os recursos passarão a ser controlados pelos novos gestores. Apesar de também ressaltar que não tem poder para exonerar os diretores dos hospitais, o ministro Humberto Costa havia dito mais cedo que podem ser adotadas medidas drásticas contra quem atrapalhar o processo.

Prioridade é reabrir centro cirúrgico

No caso do Hospital do Andaraí, a gestora será a atual diretora do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB), Roseli da Silva, que acumulará os dois cargos. Médica sanitarista, a gaúcha mestre em saúde pública pela Fiocruz e ex-diretora do Hospital da Lagoa tem como prioridade reabrir o centro cirúrgico e a emergência. Em seu primeiro dia, ela foi recebida com palmas por funcionários da unidade.

¿ Logo de cara, temos que regularizar os pagamentos aos fornecedores para que, por exemplo, a comida de funcionários e pacientes seja garantida. Do jeito que estava, nenhum fornecedor queria trabalhar com o hospital ¿ disse Roseli.

Ela disse que, desde o fechamento das emergências do Cardoso Fontes e do Hospital do Andaraí, aumentou de 60 para cem o número de atendimentos diários na emergência do Hospital de Bonsucesso. O número total de atendimentos pulou, segundo Roseli, de 200 para 500.