Título: A BOCA GRANDE DO PT
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Fonte: O Globo, 13/03/2005, O País, p. 3

Planalto fala em governo de coalizão, mas petistas dominam 64,9% dos cargos federais

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva está fazendo uma reforma ministerial para reduzir o tamanho do PT na Esplanada dos Ministérios. Mesmo que atinja esta meta, ainda faltará muito para que se crie um governo de coalizão, como tem prometido: no segundo escalão da administração pública, há uma concentração ainda maior de petistas no domínio dos principais postos em empresas estatais e nos cargos federais mais cobiçados nos estados. O PT, que representa 27,7% dos votos governistas na Câmara, ocupa 64,9% desses cargos nos estados, preenchidos por indicação política. Enquanto isso, os partidos aliados, que garantem para o governo 72,2% dos votos na Câmara, nomearam apenas 35,1% dos cargos.

Levantamento feito pelo GLOBO mostra que o governo Lula usou os cargos federais para alavancar o crescimento eleitoral do PT. A partilha dos cargos não teve como critério, a exemplo do que ocorreu no governo Fernando Henrique, garantir a governabilidade no Congresso. A distribuição feita no início do governo petista esterilizou um dos instrumentos clássicos dos governos para formar maioria parlamentar.

Os aliados querem que nesses quase dois anos que faltam para a campanha da reeleição de Lula, o governo de coalizão exista de fato, com distribuição dos cargos de prestígio nos estados. Os mais irritados dizem que o secretário de Governo do Estado do Rio, Anthony Garotinho, estava certo ao dizer que o PT "é o partido da boquinha" e que a sigla, na verdade, significa "Porteira Trancada".

¿ O PT ocupou tudo sem respeitar a correlação de forças. Não sobrou nada. Nesta reforma ministerial é preciso rediscutir essa desigualdade. O governo não tem outro caminho: ou incorpora as forças que o apóia ou vai ficar sozinho. Se não governar com os aliados, por que os aliados vão continuar apoiando? Todo mundo vai querer outro governo ¿ diz o líder do PCdoB, Renildo Calheiros(PE), ao informar que em Pernambuco tudo está nas mãos do PT, com exceção do INSS, que está com o PSB.

Para aliados, é preciso ¿despetizar¿

Esta situação provoca protestos até mesmo dos partidos aliados que mais nomearam para esses cargos, o PMDB e o PL, que preencheram 11,2% dos postos cada um. Líderes dos partidos aliados cobram a ¿despetização¿ também nos cargos de comando das estatais e das superintendências e diretorias regionais do Incra, da Funasa, das DRTs (Delegacia Regional do Trabalho), do Ibama, do Dnit (Departamento Nacional de Infra-estrutura Terrestre), dos Correios e do INSS.

Alguns ministros , como Alfredo Nascimento, do PL, conseguiram assegurar o comando do Dnit em diversos estados. Mas em alguns importantes como São Paulo e Santa Catarina, o órgão continua com o PT. A direção dos Correios em alguns estados também foi entregue a peemedebistas apadrinhados do ministro das Comunicações, Eunício de Oliveira. Mas na grande maioria o controle é mesmo do PT. Em Goiás, terra do líder do PL na Câmara, Sandro Mabel, o partido nada conseguiu.

¿ Minha mágoa é grande. Sou o líder do partido e não tenho um carguinho em Goiás. Há pouco tempo mudou o comando do Ibama. Tentamos de todo jeito e o PT não abriu mão. Toda vez que se fala em redistribuição dos cargos é um horror. Essa história de ¿despetização¿ é só para inglês ver ¿ protesta Mabel.

¿ Como se diz todo dia, esse governo é de coalizão, mas não pode ser uma coalizão com limitações geográficas. Tem que ser estendida a todos os órgãos da administração, em Brasília e nos estados ¿ completa o deputado Henrique Eduardo Alves(PMDB-RN), dizendo que em seu estado até a direção dos Correios teve que ser compartilhada com o PT.

O argumento dos aliados é que é preciso dividir os cargos, obedecendo à correlação de forças políticas locais. Não foi à toa que muitos aliados resolveram dar o troco no PT nas eleições para a presidência da Câmara, elegendo o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE). Ainda assim, os petistas não querem fazer uma nova partilha dos cargos. O secretário de Comunicação do PT, Marcelo Sereno, que juntamente com o secretário-geral do partido, Silvio Pereira, fez a partilha desses cargos, admite que o problema existe.

¿ O domínio do PT nas nomeações, dependendo do estado, é mais verdade ou menos verdade. Nos locais onde o PT é forte e é fechado, o espaço dos aliados é menor. Os aliados vão ampliar sua presença nos cargos a partir dos ministérios para os quais forem nomeados ¿ disse Sereno.

Os petistas tentam se defender das queixas dos aliados. No Distrito Federal, por exemplo, ressaltam que os cargos federais foram divididos entre os parlamentares de várias correntes do PT.

¿ Os aliados estão todos no governo. Pode ser que não comandem cargos federais, mas têm secretarias e ministérios. O PCdoB de Brasília mesmo tem o Agnelo no Ministério dos Esportes ¿ reage a deputada Maninha (PT-DF).

Mas a verdade é que a tese do governo de coalizão divide o PT, que tem resistido desde a posse de Lula a ceder e dividir espaços com os demais partidos que compõem a base governista. Na linha de frente das negociações no Congresso e precisando constantemente dos votos de aliados para aprovar projetos de interesse do Executivo, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), tem sido um dos principais defensores da coalizão.

¿ A coalizão é necessária para consolidarmos nossa base no Congresso ¿ tem repetido.

¿Lula que se prepare¿, diz PP

Com fôlego renovado depois da eleição de Severino para a presidência da Câmara, o PP está dando trabalho ao governo. No Paraná do líder José Janene (PP-PR), o PT comanda um dos cargos mais cobiçados, a Itaipu , além do Incra, do Ibama, da Funasa, do INSS e da Funai. O PL controla o Dnit, o PSB os Correios e o PTB, a DRT. O PP não tem nada.

¿ Não temos nada, mas também não vamos pedir agora. Desistimos de brigar por isso. Mas Lula que se prepare, ele não precisa só do PT para governar ¿ diz Janene.

Em alguns estados, como São Paulo e Acre, o PT detém todos os principais cargos. Em Alagoas, o PMDB tem o comando do INSS, o PL está à frente do Dnit e o PP, do Ibama. O resto é do PT.

O líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PB), é um dos que advertem o governo sobre a necessidade de descentralização do poder petista, inclusive nos estados.

¿ A coalizão tem de atingir também os estados. Afinal, quem quer casamento não faz contrato de separação ¿ alerta.

A hegemonia petista em alguns estados, na avaliação do líder do PSB, deputado Renato Casagrande (ES), é um motivo permanente de queixas em sua bancada.

¿ Muitos deputados reclamam da falta de espaço. Por isso acho que o PT vai ter de abrir espaços para acomodar aliados se quiser manter sua base unida ¿ acrescenta.

Mas há também os que acham que a divisão entre PT e os aliados está correta.

¿ Em Sergipe é onde o PT é mais democrático. Lá está equilibrada a correlação de forças e vamos apoiar o Déda para governador ¿ diz o deputado Jackson Barreto (PTB-SE), lembrando que em seu estado o PTB dirige a Funasa, o PL o Dnit, o comando dos Correios é do Sindicato dos Trabalhadores do órgão e o DNOCs, outro cargo importante, é do PMDB.