Título: NOVE EM DEZ ELEITORES FICARAM SEM REPRESENTANTE NO COMANDO DO CONGRESSO
Autor:
Fonte: O Globo, 13/03/2005, O País, p. 4

Estados que concentram 89% do eleitorado não participam das mesas diretoras

Nove em cada dez eleitores brasileiros permanecerão os próximos dois anos sem representação no comando do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Pela primeira vez, os estados que concentram 89% do eleitorado, 90% do Produto Interno Bruto (PIB) e 95% da arrecadação de tributos não participam das mesas diretoras do Legislativo federal.

Esses órgãos têm poder de decisão sobre toda a agenda parlamentar de votações, indicação de relatores de projetos, promulgação de leis, posse e vacância no cargo ou impedimento do presidente da República.

O alijamento do Sudeste e do Sul tornou-se possível a partir de uma bem-sucedida manobra eleitoral, no início de fevereiro, realizada por senadores e deputados do Nordeste (Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Piauí e Maranhão), do Norte (Acre, Rondônia e Tocantins) e do Centro-Oeste (Mato Grosso e Distrito Federal). Esses nove estados ficaram com todos os 21 cargos de comando do Legislativo.

Resultado: todo o eleitorado representado na Mesa da Câmara cabe dentro do Estado do Rio, que em dezembro tinha 10,5 milhões registrados. E o número de eleitores representados na direção do Senado e do Congresso (13,6 milhões) equivale ao colégio eleitoral de Minas Gerais e à metade do eleitorado de São Paulo.

"É uma grotesca violação"

Há quem veja nisso uma violação do princípio da igualdade política, como é o caso de Gláucio Ary Dillon Soares, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj):

¿ Quando os estados com 90% da população e dos eleitores, além de mais de 95% dos impostos pagos, têm zero de representatividade nas mesas, há uma grotesca violação do princípio democrático da proporcionalidade na representação.

A coalizão contra o Sudeste e o Sul na disputa dentro do Parlamento foi costurada sobre a rebeldia entre governistas, dominante nos últimos seis meses, pelos recém-eleitos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE).

Assim, foi possível a estados pobres, com população e eleitorados mínimos, se transformarem em autênticas potências políticas, com hegemonia no controle do Legislativo.

Os potentados políticos

Alagoas, por exemplo, tem 0,6% do PIB nacional, um eleitorado seis vezes menor que o Rio e quinze vezes menor que São Paulo. É recordista nos mapas da pobreza, da fome, da mortalidade infantil e da concentração de renda (1% mais rico dos alagoanos fica com 14,6% da renda, enquanto os 50% mais pobres, com apenas 16,8%).

Desde fevereiro, porém, o estado de Alagoas pode ser considerado um potentado político. Detém a presidência do Senado e do Congresso (Renan Calheiros, do PMDB), a primeira vice-presidência da Câmara e do Congresso (José Thomaz Nonô, do PFL) e a quarta secretaria da Câmara (João Caldas, do PL).

Mais pobre ainda é o Tocantins, agora também no centro do poder legislativo. Sua economia é equivalente à metade do PIB alagoano. Seu eleitorado é 12 vezes menor que o fluminense e 32 vezes menor que o paulista. Nos indicadores sociais destaca-se por ser o estado com menor cobertura de saneamento básico: oito em cada dez habitantes moram em casas sem esgoto.

A troca de guarda nas mesas diretoras beneficiou o emirado político-econômico dos Siqueira Campos, que dominam as instituições do estado desde sua criação, em 1988. Tocantins ficou com a quarta secretaria do Senado e do Congresso (Eduardo Siqueira Campos, do PSDB) e a terceira secretaria da Câmara e do Congresso (Eduardo Gomes, PSDB).

Não se deve imaginar que tal hegemonia dos estados mais pobres das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste possa vir a ter alguma correspondência em mudanças nas respectivas estruturas política e social, pondera Gláucio Soares, do Iuperj:

¿ De que serviram, para os pobres do Norte, do Nordeste ou de outras regiões, os cinco anos de mandato do presidente maranhense José Sarney e os quase três anos de presidência do alagoano Fernando Collor? De que serviu para as crianças pobres do Maranhão a dominação da família Sarney no estado, se 25% das crianças maranhenses trabalham, porcentagem semelhante à do Piauí e de Tocantins? A região Nordeste é a campeã da desigualdade social.

¿ No Piauí ¿- ele acrescenta ¿- os 10% mais ricos recebem 32,8 vezes o que os 40% mais pobres recebem. A desigualdade interna na distribuição de renda do Maranhão é de 18,3 vezes e a de Alagoas 17,6 vezes, ao passo que no Sul é de 13,9 vezes. Quem se beneficiará da mesa comandada por Severino Cavancanti? Os deputados? As elites regionais ou os pobres?