Título: PRISÃO DE NETO DE JUIZ ABRE GUERRA NA JUSTIÇA
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 13/03/2005, O País, p. 14

Daniel de Mello e Souza, condenado a 8 anos de prisão em Brasília por tráfico, obteve hábeas-corpus no dia da condenação

BRASÍLIA. O estudante Daniel de Mello e Souza foi condenado a oito anos de prisão pelo juiz Clóvis Pires, da 4ª Vara de Entorpecentes do Distrito Federal, no dia 13 de dezembro do ano passado, mas continua solto. No dia da condenação, obteve um hábeas-corpus com direito a relaxamento de prisão do desembargador Mário Machado. A decisão do desembargador acirrou ainda mais a guerra interna aberta desde o início do processo contra Daniel, há um ano e dois meses. Daniel é neto do presidente do Tribunal de Justiça, José Jerônymo Bezerra, e está em seu terceiro estágio como funcionário do tribunal.

Ao longo do processo, dois juízes trocaram acusações públicas, um deles foi afastado do caso e o vaivém do processo tem deixado perplexos policiais e promotores que atuaram nas investigações. Os desentendimentos sobre um suposto tratamento diferenciado dado ao neto do presidente do tribunal começaram no dia 10 de dezembro de 2003, quando o juiz plantonista Demetrius Gomes Cavalcanti, hoje assessor do presidente do tribunal, mandou soltar Daniel, preso uma semana antes por tráfico de drogas.

O juiz desclassificou o flagrante lavrado pela Polícia Federal e anulou a decisão do titular da 3ª Vara de Entorpecentes, Luis Gustavo Barbosa de Oliveira, que considerara normal a ação da polícia. Daniel foi preso no dia 3 de dezembro de 2003 ao chegar no apartamento de Sebastião Azevedo Júnior, na Asa Sul, que já estava detido pela posse de 580 comprimidos de esctasy. Daniel seria o dono da droga, enviada pelos Correios.

Para Cavalcanti, a polícia agiu corretamente ao prender em flagrante Sebastião, mas errou ao incluir Daniel na mesma situação. O juiz argumentou que, como não estava comprando nem vendendo a droga naquele momento, Daniel não podia ser preso em flagrante por tráfico.

¿Foi a decisão mais esdrúxula que já vi¿

O juiz critica até a polícia por ter descoberto a droga num pacote ainda nos Correios. ¿Em lugar de apreenderem a substância entorpecente ilícita e instaurarem o competente inquérito para apurar a materialidade e autoria do crime, fecharam o pacote e acertaram com os funcionários dos Correios a data e hora de entrega da correspondência ao destinatário¿, escreveu Cavalcanti no despacho em que mandou soltar Daniel.

¿ Foi a decisão mais esdrúxula que já vi. O juiz plantonista reformou a decisão de outro juiz de mesmo nível hierárquico. Pela lei, só o tribunal poderia modificar a decisão de um juiz de primeira instância ¿ afirmou o promotor Valmir Soares Santos, que atua no caso.

Dois dias depois, o juiz Luís Gustavo retomou o processo e mandou a PF prender de novo Daniel. Mas antes que a ordem fosse cumprida, o desembargador Mário Machado concedeu um hábeas-corpus para que o estudante respondesse ao processo em liberdade. Meses depois, os advogados entraram com um pedido de suspeição de Luís Gustavo e o Conselho Especial do tribunal determinou o afastamento do juiz do caso.

Em dezembro do ano passado, o juiz Clovis Pires, que assumira o processo no lugar de Luís Gustavo, condenou Daniel a oito anos de prisão e Sebastião, a seis anos e oito meses. Mas, antes que os dois fossem presos, Mário Machado concedeu novo hábeas-corpus para que aguardassem o resultado a apelação da sentença em liberdade.